Victoria's Secret Fashion Show: é possível descancelar a cancelada?
Escolhendo suas batalhas e revelando suas hipocrisias
Somos todos hipócritas. Temos todos um certo, se não desvio, ~tendencionismo de caráter para x ou y. Somos todos capitalistas e queremos ganhar dinheiro. A marca que você consome é hipócrita capitalista, a revista que você lê, a influenciadora que você segue, a pessoa que você é (ou quer ser). Enfim, esse mundo é uma grande celeiro de hipócrita-capitalistas e o que salva é o bom senso e o limite.
O desfile da Victoria's Secret é um acontecimento, diria, mais que de moda, mas de cultura pop. As modelos mais conhecidas do mundo, as músicas que estão bombando nas rádios (ops, Spotify), um tapete vermelho estrelado, um front row esfuziante. É tudo prato cheio pras redes sociais e pro mundinho pop que se alimenta de fatos e fotos, diria mais fotos que fatos.
Dizem que o Victoria's Secret Fashion Show é o Super Bowl das mulheres (e dos gays!) e a Adriana Lima é - daí confundindo os esportes - o Pelé do evento. E digo mais, o VSFS é essa catarse coletiva genderless que une todas as tribos (com propósitos diferentes). Assim que acaba o desfile, a gente corre pra se encontrar nas redes sociais pra saber se nossa opinião bate com a do colega. Reparar o que todo mundo reparou. Se alimenta de memes e momentos eufóricos que vão na contramão de uma vida chata. É um escape.
E de quebra, em tempo de streamings e que cada um vê o seu seriado no seu momento, no seu timing, um evento coletivo em realtime é catártico. Então pode estar desfilando a Adriana Lima ou o José Luiz Datena, que a gente quer apenas viver em conjunto frente a tempos cada vez mais individualizados.
Desde que me entendo por Fashionismo rs sempre escrevi sobre o evento e, vale dizer, sempre esteve entre os posts mais lidos do ano! Buscava falar com bom humor, memes e looks das famosas. Até 2017.
Há 7 anos começava a ~cancelar o evento. Numa época que a sociedade mudava, a sororidade florescia e o feminismo se ~reinventava. Eram outros e fundamentais tempos.
“Seria hipocrisia dizer que não adoro esse frenesi, que não fico encantada com os looks, alegorias e adereços, vocês sabem que todo ano postamos sobre e até com um viés mais bem humorado, mas pra mim a graça não é mais a mesma. Cada vez mais algo me incomoda: o padrão. A gente não pode fechar os olhos para todos os corpos iguais, logicamente magros, muito magros, corpos perfeitos, muitos dirão. O que é perfeito?
Há de se mencionar que nas FWs, existe uma média de 2 modelos negras por desfile (falamos sobre isso nesse post aqui), o VSFS até se ~esforça em prezar pela diversidade. Esse ano foram 55 modelos de 20 países e, diferente dos outros anos, mais modelos negras e chinesas (país que ocorreu o desfile).
Mas e os corpos? E as manas gordas, plus size, curvy, como quiser chamar? Não teve umazinha pra contar história. Nem umazinha pra dizer “olha como quebramos padrões”. Em tempos que a sociedade cada vez mais se mostra atenta a essas questões e cada vez mais marcas tem buscado se mostrar inclusivas, seja nas passarelas ou numa grade mais democrática, a Victoria’s Secret parece que parou no tempo e no espaço.” - Problematizando a VS - Fashionismo 2017
A Problematização acabou? Não. Ele existe, firme, talvez não tão forte, mas não vai deixar de existir. Essas pessoas que estão problematizando-quem-problematiza, eventualmente problematizaram no passado apenas na esteira da moda, na urgência de se posicionar, na carência de pertencer.
Mas toda aquela geração questionadora fez efeito, ao menos por um período, mas ainda de forma relevante. A Victoria's Secret fez seu último show em 2018, depois caiu em desgraça, quase falência e em 2021 se reinventou. Veja bem, se tem dinheiro e poder, tem chance e mais chance de recomeçar, e assim eles seguem (com 1300 lojas físicas só nos EUA, vale dizer).
Depois do seu ex-Diretor de Marketing e criador do desfile, Ed Rezek, afirmar que “nunca teria uma modelo plus ou trans desfilando”, ele foi demitido. A marca teve uma nova gestão, passou por rebranding e aquele ideal de mulheres perfeitas com corpos glitterizados mudou para o tal padrão vigente dos “corpos reais" em fotos neutras, minimalistas e o oposto do que a marca sempre emulou.
“Quando o mundo estava mudando, demoramos muito para responder. Precisávamos deixar de ser sobre o que os homens querem e ser sobre o que as mulheres querem.” - Martin Waters, homem e ex-CEO da VS
Por último e talvez mais importante para chegar no desfile de ontem: em agosto, ela fez uma nova mudança de liderança, nomeando Hillary Super, anteriormente CEO da concorrente Savage x Fenty, como nova CEO.
Mas a pergunta que ficou de 3 anos atrás: essa estética exuberante de mulheres besuntadas em óleos brilhosos atravessando uma passarela pink ao som da música do momento… não poderia ser mantida, agora corpos mais diversos? Corta pra 2024 e, depois dessa tentativa tímida de mudança, a marca voltou com seu Victoria's Secret Fashion Show e tudo que tem direito, quedize…
Diversidade sim, hipocrisia também
Veja bem, ontem acordei, segui com minha vida e afazeres durante um feriado escolar. Deu 19h e pensei no automático: cadê o link pro desfile da VS? Eu, num misto de fascínio e hipocrisia, queria estar a par do burburinho do momento tal qual em 2016.
O assunto estava por todo o Trending topics - do também descancelado Twitter, a live no YT mal dava vazão às milhares (milhões) de pessoas querendo ver tudo ao vido para crer. E se entreter.
A diversidade se fará presente? Será suficiente?? A Victoria's Secret merece o perdão???
Voltando ao parágrafo inicial sobre hipocrisia e capitalismo: é ingenuidade demais achar que a VS ia desaparecer. Ok, em 2017, os manifestos eram por corpos mais diversos e se, com o atraso assumido por eles mesmos, eles finalmente entregassem a tal da diversidade? A gente apertaria o botão do descancelamento e registraria a marca de novo? Como funciona isso fora do Twitter ou comentários do Instagram?
Qual é a função do cancelamento e da problematização senão uma tentativa de ajustar o mundo a duras penas? Se a gente grita por mudança, a marca não muda pq é bonitinha e bem intencionada, ela muda pq o mundo mudou, a concorrência aumentou e o dinheiro cessou. E assim a Victoria's Secret tentou, do jeito dela. Funcionou? Não sei. Vou julgar? Talvez agora menos que em 2017.
Vamos aos fatos. Se a gente comparar o desfile da VS com qualquer outro de uma FW, eles vencem - com sobras! - no quesito diversidade. Vimos modelos com vários tipos de corpos, modelos de diferentes identidades de gênero, origens raciais e idades.
Tudo isso planejado por homens? Ao menos não no backstage: uma equipe feminina liderou a produção do desfile, Sarah Sylvester, vice-presidente executiva de marketing da marca e Janie Schaffer, diretora de design e criação, bem como a ex-editora-chefe da Vogue Paris Emmanuele Alt, que foi a responsável pelo styling do desfile. Todos os artistas e dançarinos também eram mulheres.
Agora em números. Em termos de corpos fora do dito padrão: teve Ashley Graham, Devyn Garcia, Paloma Elsesser, Jill Kortleve, Kai Soleil. Segundo levantamento, foram 7 modelos com manequins acima do manequim 36. Isso ainda é uma discrepância da “vida real”, mas em termos de comparação com qualquer desfile de qualquer FW, eles estão acima da média. Não tem nem um mês que a Chanel desfilou com 4 modelos plus size e foi um burburinho, pq Paris é praticamente ZERO plus size friendly, quem dirá a Chanel do eterno gordofóbico Karl.
Ainda falando de diversidade, o desfile também trouxe a brasileira Valentina Sampaio e Alex Consani, duas modelos trans que certamente não tem tanta visibilidade passarelas afora. Além disso, vimos modelos acima de 50 anos, como Kate Moss (50), Carla Bruni (56), Eva Herzigova (51) e a alltime angel, Tyra Banks (50). Nomes absolutamente famosos e que poderiam ser vistos em qualquer desfile, mas que encontraram um novo espaço num desfile não muito célebre por uma faixa etária avançada.
Também se questionou o fato de que tais modelos “fora do padrão” estavam ou ~escondidas em roupas ao invés de lingeries ou estavam com looks mais comedidos. Eu concordo, esse é um ~truque comum em todo o mercado de moda, mas também entendo que possa ser um combinado com a própria famosa em questão. Afinal, certamente a Kate Moss, Tyra Banks ou Ashley Graham terão um envolvimento artístico no que vão usar e isso certamente está bem claro em contrato.
No geral, dava pra perceber que os looks estavam menos fantasiosos e conceituais no geral. Por exemplo, a marca desfilou pela 1a vez calça de pijama (combinado com um bralette usado pela Taylor Hill). Segundo eles, ao invés de focar primeiro em construir uma fantasia com peças exageradas que nunca chegam às prateleiras das lojas, os itens na passarela deste ano fazem parte da coleção de fim de ano da marca, com um pouco de "glamour” para garantir que seja digno de passarela".
Agora, não sei se passaram com louvor no quesito diversidade, afinal, qual é a nota de corte? Mas passaram acima da média vigente de todo e qualquer desfile mundo afora. De toda e qualquer capa de revista, elenco de seriado ou até mesmo feed de um Instagram qualquer.
Ainda teve gente que falou que eles focaram em diversidade e esqueceram de outros fatores que sempre fizeram do desfile algo glamuroso. Eu não acho que eles focaram muito, acho até que eles fizeram o básico e, ainda assim, ficaram acima da média. É que temos visto há algumas temporadas que as marcas estão deixando de fazer o mínimo (quem dirá o básico!!), então eles não fizeram mais que a obrigação, mas, ainda assim, estão acima da nova média.
Curiosamente, a VS se forçou a avançar enquanto todos voltaram a retroceder.
“A grande produção foi parte dos últimos esforços da marca para trazer de volta a excitação que a cercava em seu apogeu. Mas ressoar com os compradores novamente não será uma tarefa fácil, uma questão de lembrar aos consumidores por que eles a amavam em 1o lugar, ao mesmo tempo em que os convence de que a Victoria's Secret pertence ao zeitgeist.” - Bof
Fator Victoria's Secret
Agora, pra mim, o problema Victoria's Secret não se resolveu. E creio que nunca resolverá. E assim ficará ok pra todo mundo, vida que segue.
O que pega na VS é a cultura que eles ainda naturalmente propagam. Essa estética glamour, pink & glitter, de mulheres quase desnudas que geram desejo nos homens e ~inveja (comparação) nas mulheres, é essa a essência da marca e não tem diversidade que tire isso. Tá impregnando não só neles, mas na sociedade como um todo e vai de quem quiser ceder com ressalvas e seguir a vida no dia seguinte.
E, na real, por mais que eles pensem legitimamente na necessidade factual de mudança, aquele público sedento por tudo isso já está constituído e despejando preconceitos. Público esse que ela mesma educou e construiu. Postei sobre o assunto no Threads e uma pessoa me disse “ué, agora também quero ver gente magra no desfile de marca plus size também!”. Entende?? Por mais que a marca tente se mostrar atenta, o público médio nem disfarça mais em expor opiniões preconceituosas.
Aquela ideia revolucionária de 2017 não existe mais, voltamos a viver no tal do “o que vier é lucro”. Marcas que existem pré esse período jamais vão mudar totalmente, o que nos resta é eventualmente nos divertir com as erradas e valorizar uma nova geração como a Fenty e tantas outras que nascem de fábrica com essa proposta de diversidade.
Analisando o desfile
Agora falando do show propriamente dito. Percebi que o que me faz querer assistí-lo é mais pelo lado do burburinho, pelo acontecimento, pela união fundamental de moda e música. Dito isso, agora vamos falar do desfile em si, da essência, do esperado, do novo, da moda!
Eu fiquei positivamente surpresa até. Primeiro de tudo: dinheiro né mores, o casting foi nababesco e isso intensificou o frenesi e todo o fascínio que a marca promove tão bem. Enquanto desfiles “normais” são feitos por modelos mais sisudas e “cabides” de roupas, um desfile da VS é sempre um deleite de gente feliz sobre saltos descomunais.
Mas aí entra um ponto negativo: o divertido do desfile sempre foi a interação com público/cantor/câmera. Acena, beija, aponta e sensualiza, nessa edição eu pouco vi. Quem mais fez foi a Adriana Lima - claro, craque nisso, de resto achei tudo muito parecido com um desfile de moda normal, pouca efusividade e muito carão. A própria Alessandra Ambrósio, achei comedida e escondida em apenas um segmento.
No mais, achei que o desfile mais pareceu um desfile da NYFW do que um desfile da VSFS e aí eu acho que foi ideia deles mesmo que fosse “apenas” um desfile. Acho que eles quiserem buscar mais equilíbrio com um FASHION SHOW e menos aquela energia glamourosa exagerada da VICTORIA'S SECRET. E aí eu acho uma bobeira, se for pra ser o VSFS, vai com tudo que diverte e ainda com o fator diversidade. Vai CAMP, cria um sonho, mostra emoção, entulha a passarela de glitter e cacarecos, mas se diferencia, né!
É lógico que eles precisam se adaptar a novos tempos, novas ideias de moda, então no geral o saldo foi positivo. Inclusive, o fator moda mesmo se fez bem feito através das roupas e sapatos, feitos por Joseph Altuzarra e Rene Caovilla.
Agora falando de beleza, a decepção de todos foi a ausência do VS hair e seus cabelos com ondas volumosas e milimetricamente perfeitas. Adriana, Alessandra e Candice, por exemplo, vieram com rabo de cavalo liso, uma perda que em nada deixa o desfile mais progressista rs. E mais uma prova que eles até querem voltar pra essência glam, mas parecem receosos.
Precisa mesmo de um outro desfile?
Analisando com calma, o saldo me pareceu razoável. Diferente da tentativa de reinvenção modorrenta de 2021, o burburinho se espalhou como se não houvesse 2018. Os veículos cobriram, os famosos estavam na 1a fila, veio adoração, veio reflexão, mas falou-se de Victoria's Secret. E, em tempos de marketing de atenção e de dois segundos pra conquistar a sua, eles conseguiram alguns minutos de fala, milhares de likes e milhões de views. Vai reverter em vendas? O tempo dirá, mas muito difícil não existir um VSFS em 2025.
Por fim, segundo aquele meme, precisamos mesmo de mais um desfile da Victoria's Secret? Às vezes não, mas de repente sim. Se for apenas mais um desfile sem tanta pretensão (nossa), pode ser apenas mais um desfile e tá tudo bem, tem coisa pior acontecendo no mundo.
Adoraria saber os comentários de vocês!
Beijos,
Thereza!
Estava esperando ansiosa por essa news e adorei!! VS nunca me pegou, mas acho que você analisou muito bem todo o contexto e principalmente a moda do desfile.
Nossa sim!! esperava muito mais desse desfile, mesmo tendo adorado ele.
senti falta dos cabelos glamurosos e das modelos super confiantes e brilhantes. Senti que elas não estavam tão animadas assim com a volta do VSFS.