"Um tênis é apenas um tênis até que alguém o calçe"
Do Keds ao Vert, do Converse ao Jordan, passando por Yeezy, Samba, Hermès e todo e qualquer tênis de toda e qualquer moda. Tá pra nascer outro calçado mais democrático e popular.
Ontem eu assisti “Air - A história por trás da logo”, o filme que mostra a negociação mais famosa do esporte, da moda, da cultura: quando Michael Jordan - que ainda nem jogador profissional era - fechou o mais importante contrato da história da humanidade. Sem exagero, assim surgiu o Air Jordan!
O filme não é sobre o atleta, mas sobre o lado business, coragem, ousadia e uma visão. E a parte da visão vem justamente da mãe do Michael, interpretada pela brilhante Viola Davis. E um dos momentos mais interessantes do filme é a fala, “A shoe is always just a shoe until someone steps in it”, da onde surgiu a tradução da nossa newsletter, mas o mais interessante é o ajuste da frase vinda da mãe, a Ms. Delores, algo como “até o MEU FILHO pisar nele” e que se torna um prenúncio do impacto cultural do Jordan e do tênis, na cultura, no esporte, na música… na nossa newsletter de hoje!
Qual é a sua primeira lembrança com um tênis? Eu lembro bem, na minha geração noventista, tênis era sinônimo de academia, esporte, escola ou viagem. Ou você usava um tênis à la Nike e suas molas pra se exercitar ou tinha um tênis básico pra bater, ir pra aula ou viajar com conforto.
O meu primeiro tênis provavelmente foi um kichute Reebok Clássico, super neutro, charmoso e tava mais que bom. Lembro que, aos 13 anos, adquiri o meu na Disney naquelas viagem de adolescente classe média acompanhado da Tia [insira o nome da agência].
Corta pro auge da adolescência e qual era O calçado das patricinhas cariocas? O Keds! Eu tinha de todas as cores, modelos e versões e, curiosidade, uso até hoje! Pra mim ele é um tênis básico, atemporal e o tênis com menos cara de tênis que existe. Em 2013 fiz esse post, “O tênis mais bonito do mundo” e sigo convicta que ele deve estar em destaque em todos os livros do gênero, afinal são 107 anos prestando serviço à sociedade tenêira. A nota de pesar é que por muito tempo era super fácil de encontrar a marca em lojas de calçados no br, agora não mais, se encontrar é sorte (e resquício antes da saída do país).
Agora por que estou dizendo tudo isso? É que pra mim, que observa com carinho os movimentos de moda, tendência e comportamento, nos últimos 15 anos, não tenho dúvida alguma que tênis é O item de moda do milênio e muito graças às redes sociais, aos blogs e looks do dia.
Se nos anos 90 ele tinha uma função óbvia, hoje ele transcende, é símbolo! Do Air Jordan e sua máquina de fazer BILHÕES a toda e qualquer marca que surgiu na esteira da revolução tenística. Do gracinha Superga, passando pela reinvenção de marcas como Puma e New Balance, até mesmo as soberanas Adidas e Nike. Das versões inspireds e genéricas, a modelos luxuosos e cheios de cifras, não há nada mais emblemático que um tênis.
A história recente do tênis
Voltando um pouco no tempo e tentando resgatar quando foi o primeiro boom dos tênis enquanto movimento cultural. Estava lendo a bíblia do movimento, o livro Out of the Box: The Rise of Sneaker Culture (tem aqui na Amazon) e eles citam que o primeiro movimento cultural, ainda que de forma tímida, do tênis foi na década de 70 com um modelos e duas marcas que antecederam os soberanos modelos de couro: Converse e Keds (!) dominavam os pés com suas versões em canvas, esse tecido mais “molinho” pra tênis. Depois materiais como camurça e nylon davam o tom de modelos bem genéricos de marcas em ascensão.
Até chegar o primeiro grande boom: anos 80, Nova York, basquete, cena do hip-hop e um streetwear único e que impactou não só a cena musical, mas de cultura, moda e para além de um nicho. E a grande virada pro que entendemos até hoje sobre a potência do calçado, foi quando a Nike assinou contrato com o então novato Michael Jordan e a Adidas assinou com o grupo de rap Run-DMC.
Foi nessa época que os tênis transcenderam o design funcional e esportivo e se tornaram um item a se desejar, um símbolo fashion. É não era sobre status, mas sobre IDENTIDADE PESSOAL, EXPRESSÃO CRIATIVA E INDIVIDUALIDADE.
E o livro deixa claro que foi a comunidade negra que transformou a existência - e função - do tênis. Eles não queriam ser visto apenas usando, mas queriam mostrar COMO usar, como editar, modificar, fazer um diy próprio antes mesmo da expressão existir, sim os que não tinham acesso aos modelos da Adidas, por exemplo, faziam suas 3 listras com caneta e isso era cool na época (acho cool até hoje essa ~subversão rs). E esse era o barato do tênis, expressar criatividade através de calçados até então não populares, mas ainda acessíveis.
Símbolo de conforto e status
Voltando pra era digital, como uma pessoa que viveu ipsis litteris essa geração bloguística, recordo plenamente que a (re)ascensão do tênis veio junto com a ascensão do streetyle, quando o estilo pessoal, do cidadão comum, da dica-amiga, se tornaram mais e mais protagonistas.
Lembram do tênis com salto da Isabel Marant? Datado de 2010, ele foi um dos grandes protagonistas da geração blogger (blog mesmo, das entranhas do wordpress), depois vimos outras versões, marcas, clássicos e sazonais.
Do modelo futurista de Yeezy ao preppy da Chanel, do chunky da Balenciaga ao Cortez da Nike, passando pelas versões masculinas do papai ou até opções mais sustentáveis - e descoladas - como o mezzo brasileiro Vert, que fez sucesso nos pés de Kate & Meghan.
Tênis na Tv e no aeroporto
Meu Deus, a Renata Vasconcellos de tênis em pleno Jornal Nacional!!
Bom, isso não deveria ser notícia, mas toca o plantão: ainda em tempos de formalidades, dresscodes rígidos e antiquados, é uma quebra de paradigma. Mês passado a jornalista usou um modelo bem genérico (tão genérico que ainda não se crava o nome), nem ~bonito era, mas a mensagem foi comunicada com louvor: foi-se o tempo de deixar o tênis escondido sob a mesa de trabalho pra subir no salto e impressionar, o tênis é definitivo e ponto final.
O gesto da Renata pode ter até sido descompromissado, mas acertou em cheio ao fortalecer a necessidade de estarmos confortáveis mesmo em visuais formais e empregos rigorosos (a gata apresenta o maior jornal do país).
Certamente é um marco fashion e sem precedentes numa seara onde só brotava scarpin e outras formalidades, algumas delas enfadonhas. É um simbolismo e brecha pra gente ficar mais confortável (de pensar) ao usar um tênis em qualquer ocasião.
Por falar em ocasião, nessa semana a GOL Linhas Aéreas acabou com a hegemonia dos sapatos de salto para mulheres. À partir de agora toda a equipe de bordo poderá usar tênis também. E não é qualquer modelo, mas um tênis super bacana, agênero e sustentável.
Para a Gol, a Yuool desenvolveu um modelo exclusivo, com materiais específicos: um tênis com cabedal – que é a parte de cima do calçado – feito 100% de garrafas pet recicladas e solado de grafeno, o que traz maior resistência ao produto. Isso não só muda a cultura da vestimenta dos colaboradores, principalmente da tripulação, como segue uma demanda global de cuidado com o meio ambiente. A Yuool usa cerca de 10 garrafas plásticas recicladas para cada par produzido.
Incrível, né? O detalhe do solado laranja, tal qual um Louboutin da aviação foi um sacada bem esperta e fashion! Achei a iniciativa pioneira e providencial, visto que salto a tantos mil pés é muito desconfortável e ultrapassado. Nada mais prático e contemporâneo, golaço da Gol!
Tênis Facts
Pesquisar sobre o universo e lado business da moda é um dos meus hobbies (ops, trabalho), favoritos! Fazendo esse dossiê descobri outros fatos incríveis, logo, compartilho aqui!
»» Sabia que marcas como Louboutin, Sergio Rossi e Jimmy Choo, conhecidas por seus saltos vertiginosos, precisaram diminuir o tamanho dos seus saltos pra competir com o boom dos tênis nos últimos anos? Como não surgiu tanto efeito, o que eles fizeram? Se juntaram a eles e agora essas marcas também tem tênis para chamar de seus.
»» Pierre Hardy - diretor criativo da linha de calçados da Hermès há mais de 30 anos e dono da sua marca própria de sapatos, definiu a adoração das pessoas por tênis:
“A maior vantagem do tênis é que ele faz a pessoa parecer mais jovem. Você pode usar as roupas mais tradicionais, como um casaco de pele (fake) e misturá-lo com tênis, e parece 10 ou 15 anos mais jovem. É inconsciente, mas essa é a força deles.”
»» Uma matéria recente do BoF aponta que marcas como Nike e Adidas andam com um pouco mais de dificuldade de vender certos modelos de tênis (versões populares como Dunk e Air estão perdendo um pouco de espaço para marcas “alternativas” como Asics ou Mizuno), mas o calçado ainda é o maior volume de venda - e inventário - nas principais marcas do segmento e também nas de luxo aka se vende mais tênis que qualquer outro sapato.
»» Qual modelo tem dominado as vendas e sucesso nas redes sociais? O segmento Terrace da Adidas, modelos como Samba, Gazelle e Spezial. Em comum? A origem e design vintage, enquanto um foi criado em 1949, os outros datam da era de 60 e 70 e são queridinhos do público Gen-Z. O sucesso é tanto que a marca abriu uma Pop-Up Store do modelo samba em Shanghai (mas deveria ter sido no Rio rs). E todo esse sucesso inesperado em 2022 veio na esteira do fim da parceria da marca com Yeezy o que só prova que o segmento tênis sempre se reinventa.
O futuro do tênis
O futuro do tênis será sobre: sustentabilidade, individualidade e tecnologia! Haverá uma maior pulverização de marcas que vão basicamente produzir apenas tênis e vão concorrer diretamente com gigantes (que provavelmente vão tentar comprá-las). Esse movimento de disseminação é que tênis basicamente virou um commodity.
»» É impossível falar de futuro do tênis e não citar a urgência de modelos mais sustentáveis, biodegradáveis. Couro de cogumelo ou laranja? Solado de alga?? Muitas marcas já nascem assim de fábrica (literalmente falando), vide a Vert (ou Veja) que produz no Brasil e, segundo eles, mesmos sendo mais caro, vai de acordo com seus preceitos de sustentabilidade, inovação e bom uso de material.
»» Ajuste seu passo, Elizabeth Semmelhack - autora do livro que citamos acima e curadora do Museu do Tênis, prevê que para o futuro, a inovação nos levará de volta a fazer calçados sob medida e desenvolver modelos de acordo com nossas necessidades e especificações individuais.
Daqui a 100 anos, as pessoas vão pensar: "O quê!? Houve um período em que você tinha que entrar em uma loja e escolher um tamanho?" Isso vai parecer muito estranho, mas as coisas tendem a mudar num futuro próximo.
Se nos EUA existe tamanho x ½, os tênis serão tão personalizados que logo terão x ¼, deixando o calçado mais preciso e implacável pro consumidor. A hiperindividualização da moda é uma realidade que pode ser muito bem-vinda nesse caso.
»» Outro tópico relevante que se debate no futuro da moda é o lado do tênis como device. Eles funcionarão como uma ferramenta que beneficia e trackeia nossa saúde. Poderemos fazer body scan anual através dos sapatos e usá-los como mecanismo de controle da nossa saúde, tal qual relógios funcionais, mas numa evolução direto no tênis medindo cada passo, literalmente falando. Smart shoes já existem, mas de forma bem superficial, num futuro breve eles serão de fato mais eficientes e acessíveis!
Será que num futuro teremos uma impressora 3d em casa pra gente imprimir nossos tênis? O metaverso vai dominar, a inteligência artificial vai definir e o chat gpt vai desenvolver nosso tênis depois de um simples parágrafo? Ansiosa para o futuro, mas vamos com calma que o tênis ainda é de barro tecido!
Gostam de posts estilo dossiê? Me contem qual outro item geracional merece um mergulho no mundo fashion cultural?! E se gostou desse conteúdo não deixe de assinar nossa Newsletter Fash!Mail edição Premium!
Beijos,
Thereza!
The, eu estava sentindo muuuuuuita falta de conteúdos estilo blogs, entrava no fashionismo direeeto procurando post novo hahaha Essa sua newsletter está sensacional! Supriu essa demanda por um conteúdo de moda mais jornalístico que eu estava sentindo <3 Conteúdo maravilhoso!
Que incrível esse conteúdo a partir desse insight! Tô amando os conteúdos por aqui <3