Quanto tempo o tempo tem?
Uma newsletter sobre o tempo, sua atemporalidade e instantaneidade. Etarismo e transhumanidade.
Semana passada teve Rio2C aqui no Rio de Janeiro, mais precisamente na minha Barra da Tijuca e, especificamente, na Cidade das Artes. Sim, local onde trabalhei por 5 anos na construção e pelo qual morro de orgulho (como vocês devem perceber que falo sempre rs).
Na realidade, eu fico muito feliz com a reinvenção do lugar enquanto equipamento urbano, cultural e social. Se originalmente foi construído pra ser um espaço musical e com um teatro com melhor acústica que o Theatro Municipal, logo saiu o ~Música do nome e a Cidade das Artes virou espaço múltiplo. Da escada super instagramável pra todas as blogueiras da cidade, até sede para eventos nacionalmente importantes como o Rio Creative Conference, o maior encontro de criatividade da América Latina.
Já tive oportunidade de ir na edição de 2019 e é um evento incrível e que respira criatividade, futurismo, tecnologia e creators economy. Estava tudo certo pra eu assistir alguns talks essa semana, mas com criança doente em casa, fiquei apenas chafurdando digitalmente (aliás, vale dizer que ele deveria ter versão online também pra expandir o conteúdo) e entre mil palestras e convidados que giram no meu universo de moda e influência digital, uma outra conversa chamou minha atenção, logo, virou assunto pra nossa Newsletter de segunda!
“Quanto tempo o tempo tem? A elasticidade do tempo pela perspectiva intergeracional”
O título acima deu nome ao talk da jornalista Leilane Neubarth com a futurista Rosa Alegria e o médico neurocientista John Araújo, e certamente foi o que mais me fascinou já de cara pela pergunta.
Quanto tempo o tempo tem? Vocês sabem que ando fascinada por esse assunto: idade, meia-idade, qual idade for. Pra envelhecer basta estar vivo e é isso que todo mundo quer.
Infelizmente não consegui assistir ao papo e até agora eles não disponibilizam todo (mas poderiam!), mas a descrição já traz reflexões valiosas:
A expectativa média de vida aumentou e isso exige de cada um de nós a capacidade de lidar com grupos de diferentes idades e perspectivas de vida singulares. É preciso falar sobre a convivência intergeracional e a subjetividade do tempo.
Para cada geração, o tempo pode ter um significado e uma importância próprios. São valores e crenças com potenciais complementares, mas que podem entrar em rota de colisão, se uma cultura de inclusão e diversidade não for incentivada. Uma conversa sobre os desafios e oportunidades dessa convivência.
E é basicamente isso: o senso de tempo e o valor do tempo parecem mais curtos e fugazes. Percebo que novas gerações dão menos importância ao tempo e ao momento presente (outro assunto que há tempos me fascina #mindfulness). A proposta do talk era justamente a de debater uma maior cultura de inclusão, diversidade e um wake up call de “alô jovens, vamos todos envelhecer… e isso é bom demais”.
Etarismo no horário nobre
Um caso recente e visto a olhos nús no primetime da Globo foi no Big Brother Brasil 23 com a Bruna Griphao, 24 anos, e como ela não tem a mínima noção do tempo ou tem, mas gosta de excluir aqueles minimamente mais velhos do que ela.
Ela insiste - e não foi só uma ou outra vez por acaso - em enquadrar a Domitila Barros, 38 anos, como uma mulher muito diferente dela, e não no quesito de mais experiência, mas no patamar de ~velha demais pra andar com ela. O que é uma lástima, 14 anos não são nada, mas pra Bruna parecem tudo.
É que esse #BBB23 tem pautas graves e terríveis demais acontecendo, mas falar sobre etarismo em tv aberta seria mais que pertinente, mas também urgente.
Mas, afinal, quanto tempo o tempo tem?
Voltando ao assunto inicial (sempre me perco entre uma espiadinha e outra), a frase da tal conversa me fez descobrir um documentário incrível que também leva a frase do título.
O documentário “Quanto tempo o tempo tem” de Adriana Dutra - e que vi inteiro aqui no Facebook - vai a procura da definição do tempo, “mas afinal, o que é tempo?”. Ela conversa com filósofos, jornalistas, médicos. De religiosos a pós-humanistas, fala de tempo, transição e finitude. Fala de vida, de morte, tem de Arthur Dapieve aos recém finados Nélida Pinon e Arnaldo Jabor. É bonito e forte.
E o mais impressionante: esse documentário foi gravado em 2011, mas incrível, é totalmente atemporal. Assisti ontem e parece que ao mesmo tempo que nada mudou, tudo se ajustou e segue fazendo sentido.
E ela vai atrás de tais respostas do tempo:
Segundo o filósofo francês André Comte-Sponville, cada um sente o tempo de forma diferente e ainda cita uma célebre frase de Santo Agostinho sobre o tal tempo,
“Se ninguém me perguntar, eu sei, mas se alguém me perguntar e eu explicar, não sei mais".
O tempo é uma sucessão de pedaços idênticos. O tempo é uma invenção babilônica de 3500 anos atrás. O relógio foi mais revolucionário do que a pólvora, o papel e a bússola, porque ele mudou e definiu e mensurou o tempo.
“Só o presente existe. Nós só existimos no presente. Não faz sentido dizer que existíamos no passado, já que, no passado existíamos no presente. E no futuro, existiremos no presente”
Onde o filósofo Francis Wolff quer chegar com isso? É que o presente sempre reduz, um ano, um mês, um segundo.. um instante. O que é o instante? O instante é imaginário. Por que então perder tanto tempo pensando no tempo que não existe?
Que viagem!
E o documentário fala dessa noção de tempo em diversas circunstâncias, da vida, da morte e daquilo que vem no meio dela: o trabalho.
De como em tempos digitais estamos nos fragmentando cada vez mais pelas telas da vida (e olha que o doc foi gravado em 2011 que, obviamente, já tinha celular a pleno vapor, mas não uma oferta tão grande de conteúdo). De como só a gente pode se apropriar do nosso tempo. E se apropriar do seu tempo, é viver o presente.
Tempo é a moeda mais valiosa, se troca, se negocia, mas nunca se empresta.
E coincidentemente me vem à cabeça a conversa da newsletter da semana passada e a geração BUSYNESS de ser/parecer/precisar se ocupar para além da conta.
Quando a gente tem uma sensação de perda de tempo, é pq a gente tá trabalhando com a concepção do tempo produtivo, um tempo de fundo capitalista e a ideia de que você tem que, o tempo todo, usar todo o seu tempo pra trabalhar!
O tempo só é produtivo no sentido econômico. Ócio produtivo? Não existe mais.
Transhumanismo e (é) o fim do tempo
O limite do tempo? Fala-se de transhumanismo, um movimento filosófico intelectual que visa transformar a condição humana com o uso de tecnologias emergentes alcançando as máximas potencialidades em termos de evolução humana, deixando em segundo plano a evolução biológica, alcançando o patamar de pós-humano.
Aí fala-se sobre dinheiro, muito dinheiro, centenas (ou milhares) de anos e o mais importante - e grave: desigualdade social. Como Arthur Dapieve sintetizou, “a morte é o grande nivelador social. Todo mundo morre”, mas segundo esse ideal acima, os ricos viverão mais e mais e mais.
Finitude é possibilidade de transformação.
Ok, tempo é dinheiro, MAS nem sempre dá pra comprar tempo como eles querem. A noção de tempo e seu valor se perde nessa busca pela eternidade. O prazer é associado à existência e à finitude. No momento em que se perde do horizonte a noção de finitude, o que é SER humano quando você não tem mais que lidar com isso?
Então, eu, Thereza, vou assumir que tempo bom é aquele que a gente vive, aproveita, aprecia, celebra, sente… e pára de calcular o tempo. Não importa o volume de tempo, mas sim a qualidade dele.
“A gente vai ser feliz na transição permanente. O presente será eterno e mutante o tempo todo” Arnaldo Jabor
Envelhecer é uma oportunidade
Desse documentário, conheci o trabalho do médico gerontólogo Alexandre Kalache, que já foi diretor do departamento de Saúde e Envelhecimento da OMS, entre muitas atividades voltadas ao bem-estar da terceira idade. Um dos seus vídeos, que vale assistir aqui, ele diz: envelhecer é a melhor coisa que pode te acontecer.
E num é? Como eu sempre digo, pra envelhecer precisa estar vivo e não é isso que todos queremos? O que o Dr Kalache busca em seu trabalho voltado pra saúde pública, é cultivar a empatia e empoderar o idoso. Como? Buscando esse entendimento desde cedo, mostrando para o jovem que ser idoso é mérito e não problema. Que essa ~faixa etária não é invisível e muito menos deve ser ignorada, mas reconhecida.
Ele diz algo muito bonito e que mexeu comigo, “viver é saber ressignificar cada etapa da nossa vida”, é entender a função e cada momento e essa reflexão, por mais banal que seja, é urgente e para todas idades.
O mundo está envelhecendo e não há nada mais moderno do que ficar velho.
Por fim, ele cita 4 capitais essenciais que podemos alcançar para uma melhor qualidade de vida para além da genética (única coisa que não conseguimos mudar): A primeira é saúde, isso é universal. O segundo é conhecimento, significa aprender a aprender, sempre. O terceiro pilar é o social, relacionamento interpessoal é essencia. O quarto envolve estabilidade financeira e de segurança, mesmo da forma mais básica. Tudo isso reunido fomenta o principal: uma missão de vida, encontrar um propósito que nos mova e nos faça evoluir junto com esses 4 capitais básicos.
Aqui tem uma matéria muito legal que ele discorre sobre esse universo de gerontologia, longevidade e bem-estar, assuntos que nos pautam cada vez mais.
Quando vamos querer parecer a idade que temos de fato?
**Me permita repostar um texto meu de 2017, inspirado numa cena de Carolina Dieckmann e Vera Holtz, mãe e filha em “Por amor” e que me inspirou tanto e sempre.
“Não tenha pressa de parecer mais velha, minha filha” com essa frase da Sirléia (Vera Holtz) dita pra Catarina (Carolina Dieckman), na novela Por Amor, me bateu uma mini reflexão. Achei tão profundo, mas tão óbvio, tão delicado e simples.
A filha, com seus 18 anos, toda maquiada pra uma festa e a mãe, 40 e alguma coisa, passando por problemas da meia-idade, sendo traída pelo marido e se sentindo… velha. Era Miss, hoje sofre por perder a juventude. É duro, é real. E isso tem acontecido cada vez mais cedo.
Pois quando temos 16 ou 17, logo queremos ser mais velhas, exagerar no blush ou até mesmo adulterar um documento (?) pra poder entrar nas baladas. Depois disso, vamos querendo ficar mais sexies, mais adultas, mulherão, tudo lá pelos 18, 19, 20.
Eis que em algum momento dos 20 e tais anos, já começa a bater uma insegurança “socorro, estou chegando aos 30” e não surgem apenas os creminhos preventivos, mas procedimentos estéticos. E eu digo uma coisa, sou zero ~cagação de regra, mas cara, você é muito nova pra já ser refém disso. Outro dia vi uma conversa de 2 meninas de 23 falando de procedimentos estéticos invasivos como se fossem comum, simples. Podem até ser, mais ainda acho que não deveriam, pois isso tudo é reflexo da nossa sociedade acelerada, que queima etapas e nos obriga a nos encaixar em padrões surreais… e estreitos. Bom, aquela velha história, mas é bom reafirmar.
Daí a gente chega aos 30, o desespero aumenta, você se afasta da tal juventude, a insegurança cresce ano após ano e os tais procedimentos estéticos, como botox, preenchimento, se antes eram distantes – ou deveriam – hoje se tornam mais próximos. Quando é a hora? Sem contar o bônus com aquelas perguntas insuportáveis de “vai casar quando?” ou “e o baby, quando vem?”, é tudo uma urgência pra acontecer logo.
Aos 30 nós devemos parecer ter 30? Mais nova? Mais mulher?
Outro dia li uma coisa que me incomodou “nossa, a Sandy tem 34 anos, ela tá super conservada”.
Conservada?? A Sandy só tem 3 fucking 4 anos, ela tá linda e normal. Ok, ela aparenta aquela mesma carinha de menina, mas ela só tem 34 anos, pouco tempo passou desde que ela pulava por aí. Ver uma Sandy ~conservada e eventualmente se olhar no espelho e não achar o mesmo, é mais uma super pressão que a mídia, as pessoas, nós mesmos nos colocamos.
Por fim, quando é o auge? Quando, afinal, vamos querer parecer a idade que temos? Eu tenho uma teoria que uso pra mim, é bem simples, é ridícula: estamos vivas, isso é o que tem pra hoje, vamos aproveitar e viver um dia de cada vez. Evoluímos diariamente, queremos melhorar, mas junto a isso é preciso aceitar esse tal dia de cada vez. Até mesmo pela fase mindfulness que estou vivendo, tenho buscado mais viver o hoje, não pensar no amanhã e esquecer o ontem, é tão simples, mas muito difícil.
No mais, eu concordo muito com a Sirléia, não tenha pressa de querer ser mais nova, a sua idade é perfeita, seja 18 ou 48, você tá viva, seja feliz, a hora é agora e clichês são bem-vindos. O tempo não é cruel conosco, nós é que somos cruéis com nós mesmas.
Bom, espero que tenham gostado desse devaneio em forma de post, afinal, nem só de moda vive a mulher e se eu elucubrei, logo, compartilhei!
Beijos!
Thereza
Sempre tão certeira! Te acompanho desde os meus 17 (querendo parecer mais velha 😂) até agora, com 29 (querendo viver um dia de cada vez 🙏🏻). Parabéns pela newsletter