O tapete vermelho nem sempre é palco pra performance
Não vamos perder a habilidade de admirar pessoas apenas sendo elas mesmas
Essa semana começou o Festival mais glamouroso da temporada, Cannes e sua luz natural, celebridades mil e looks esvoaçantes que unem celebridades do ocidente e oriente. É particularmente meu favorito pelo fator extravagância e opulência.
Ao final do festival (no outro domingo) teremos uma newsletter com os melhores looks, enquanto isso repercutimos o look mais polêmico que veio logo no dia 1 e de uma diretora bastante discreta, Greta Gerwig.
O look em si era um Maison Margiela desfilando na última semana em Paris. Abaixo vou reproduzir o que escrevi no Insta e aqui me aprofundar mais ainda sobre o tema.
O Festival de #Cannes mal começou e já temos uma polêmica fashion: A diretora Greta Gerwig é a presidente do júri e, num evento matinal, surgiu a bordo de um Margiela Couture do último celebrado desfile comandado por Galliano.
Foi um desfile retumbante e que resgatou aquela aura exuberante da moda. Teve performance teatral, styling inspirado e beleza impressionante. A mais ~cult Margiela vive momentos de merecida popularidade e o auge veio na semana passada, vestindo nomes como Zendaya e Kim Kardashian no Met.
De volta à Cannes, a sempre discreta Greta surpreendeu com o look mais diurno de uma coleção repleta de transparências, espartilhos e quadris acolchoadas. E a polêmica? Só pq ela foi contra a tendência vigente... e fugiu do styling literal da passarela. Nada de sobreposições ou maquiagem #glassskin, Greta optou pelo "básico": o vestido, puro e simplesmente o vestido.
Eu achei o máximo, o look e a "ousadia". Desconstruiu essa ideia de seguir o pacote completo saído da passarela, adaptou pra um evento diurno (menção honrosa pro sapato Margiela feat Louboutin) e o mais importante, foi na energia dela!
Uns falaram que ela não segurou, outros que ela deveria ter ~respeitado um fulllook passarela e outros que foi um desperdício de vestido. Para alguns faltou drama, beleza e incorporar a energia teatral do desfile. E, claro, teve gente que falou que esse look não era “pro tipo de corpo dela”. E isso que me pega.
Eu sinto que o grande frenesi acerca de um "simples" look do dia 1 de um Festival de 14... é por conta do corpo ~inapropriado para o excelentíssimo look. A percepção silenciosa de muito é que ela não está nos padrões hollywoodianos de magreza. E se esse tal vestido ainda REFORÇA QUADRIL... "quem é ela pra usar??". Honestamente, se fosse a Kim ou Zendaya usando esse look, não seria tão polêmico, seria admirável. "Uau, uma camponesa fashion saída dos contos de fada!!"
Mas aí chegou a Greta e o debate foi instaurado e olha que nem atriz ~oficialmente é, mas alguns críticos disfarçaram preconceito com análise couturiana.
Styling é bom, mas a ausência dele não é problema
Reforçando mais claramente o que falei acima (os caracteres contados do Insta me pegam demais), tenho pra mim que parte da polêmica acerca do look da Greta foi pelo fato dela não ser a magra padrão hollywoodiano que estamos acostumados a ver no tapete vermelho. E o tal vestido de quadris reforçados… REFORÇOU seu quadril e, para muitos, ainda mais em tempos de ozempic, é um grande crime fashion.
Junto a isso, outro problema foi a ausência de PERFORMANCE, sim, PERFORMANCE. Se no desfile, as modelos emulavam toda uma teatralidade, o ambiente era soturno e intrigante… a póbi da Greta tava num sol de lascar em plena Riviera Francesa e não fez nada demais: vestiu um vestido, que parece até pueril, uma espécie de popeline listrado presente em qualquer camisa social, pegou um salto muito alto, deixou o cabelo solto de prancha e foi.
E ESSE FOI O “ERRO” DELA.
Não entregou styling a altura do desfile, não pendurou uma melancia na cabeça e apenas foi. Greta Gerwig ousou em apenas existir.
Aí entra a questão da performance, as atrizes hoje em dia (e a Greta é mais pra diretora né, ou seja, mais discreta e tal) precisam ir muito além da atuação. Até outro tempo se questionava se elas precisariam ter redes sociais (olha quantas não tem)… agora se questiona a tal da performance. E pra que? Pra causar nas redes sociais, pra viralizar, pra fazer a collab com o estilista e fomentar essa engrenagem do conteúdo, logo, du business.
Enquanto a Greta queria pagar de gatinha confortável e com um vestido criado literalmente sob medida para ela, o povo estava sedento por performance.
Estava falando sobre isso ontem no Twitter e vou reproduzir uma fala muito boa da Juliana Kataoka na conversa:
“Eu vi um povo "ai mas não teve UM esforço de styling, cabelo, make" é! não teve mesmo e até isso eu acho educativo! ela que tem que vestir a roupa, não a roupa vestir ela. pra mim, ela pareceu estar se divertindo, mas sem querer ser outra pessoa além dela mesma”
Não vamos perder a habilidade de admirar pessoas apenas sendo elas mesmas, sem muita firula, interpretação, fantasia ou performance. Inclusive, no mesmo evento, a Meryl Streep estava lá toda pimpona, recebendo sua “standing ovation” e tudo a bordo de um vestido branco impecavelmente simples.
E sigo com um outro reply que li por lá e acho que contextualiza todo esse ideal que envolve conteúdo, performance e alta costura!
Adorei que ela usou essa peça complexa como se fosse um simples vestido de verão. Alta-costura é, literalmente, tudo sobre a pessoa real que a usa. A visão do designer é uma fantasia fascinante, mas sem aplicação na vida real, as roupas não significam nada.
O tal do “method dressing”
Agora entra mais um ponto: estamos vivendo a era da fantasia, e não de uma maneira lúdica, os looks tem beirado à fantasia forçada pra reforçar o plot de um filme da vez. Parecia uma agradável jogada de marketing, agora carece de naturalidade e excede na literalidade
Ano passado foi o auge com Margot Robbie incorporando a Barbie. Era um vestido rosa atrás do outro, rosa pro aerolook, rosa pra falar com a imprensa, rosa pro tapete oficial, rosa pra after party…. O respiro mesmo veio com a greve de roteirista que abreviou a tour do filme e fez valer a máxima de Steven Tyler, pink foi uma obsession.
Daí veio a award season e a póbi da Margot claramente não aguentava mais usar rosa que, no ato final, em pleno Oscar (Oscar esse que ela sequer foi indicada) ela foi de preto #luto, causando um misto de revolta para uns e alívio para outros.
Isso tudo não foi inovação dela, na história mais recente a Zendaya já incorporou aranha pra divulgar filme homônimo, teve Halle Bailey praticando o sereísmo, Ariana Grand anda evocando Wicked e algumas outras que se fazem valer desse vestir com método.
Mas o auge e, pra mim a derrocada, veio com a própria ÍCONE FASHION Zendaya, emendando a tour temática de Dune com a recente première do filme Rivais, que fala sobre o mundo do tênis. A querida e seu intrépido stylist Law Roach, espremeram as bolinhas de tênis até não sobrar nem o bagaço e, eu confesso, cá entre nós nessa diminuta newsletter, já do início estava de saco cheio.
Era vestido na cor da bola, era vestido com uma bola pendurada no umbigo, era sandália com uma bola no meio, era obviamente tenniscore… era tudo lindo, impecável, mas me faltou algo (imprevisibilidade) e eu logo saturei.
Em uma era de excesso de conteúdo, todos estão dispostos a fazer o que for preciso para se destacar.
Hoje a Vogue Business fez uma excelente matéria justamente falando sobre esse tema e como “O tapete vermelho se tornou uma festa à fantasia” e eu gostei especificamente desse trecho:
Há algo a ser dito sobre o poder de uma boa ação de marketing no tapete vermelho, mas resta saber se o "método de vestir” permanecerá como a norma no futuro. Os looks devem ser mais independentes e deixarem espaço para interpretação, para não se tornarem meros figurinos.
“Espaço para interpretação” é isso, acho que em muitos desses looks temáticos, carecem de uma aura mais sutil, menos obviedade e mais fashionismo. Falta sutileza, sobra marketing, há um desequilíbrio. Tantos vestidos bonitos no mundo e agora eles precisarão ser adaptados pra se tornarem uma fantasia de um filme x ou y?
E como encerra a matéria, já se foi o tempo em que um belo vestido de noite era suficiente para o ator principal de um filme usar na estreia. Agora as estrelas de cinema vestem-se para o papel, literalmente, usando suas roupas para falar de seu último filme e de seus próprios personagens. Esses looks correm o risco de serem muito literais ou muito específicos de cada personagem. Isso faz com que nós, público, só possamos julgar sua eficácia no contexto de sua adesão a um tema. A moda pode ser entretenimento, mas há mais do que isso.
À medida que o tapete vermelho segue as dicas mais literais da tela do cinema, o “método de vestir” se tornou muito metódico?
Vocês gostam dessa tendência do tapete vermelho ou querem novos ares? Me contem!
Beijos e bom final de semana!
Thereza
Para além do conteúdo incrível, sempre adorei a forma como você escreve!