Toda estampa tem seu estereótipo. Enquanto estampas florais são para românticas, listras tem um quê náutico, tartan remete ao punk, bolinhas tem uma pegada vintage… estampa de oncinha (e nesse post vou escrever oncinha, mas abrangerá toda a alcatéia) evoca uma mulher exuberante.
Ok, desde que nos entendemos por gente-da-moda, oncinha para uns era sinônimo de exagero, opulência e eventual cafonice, mas agora, mais que nunca, para mais alguns, oncinha virou definitivamente cafona, brega, estampa “de pobre”. O que antes era uma opinião sobre estilo exagerado x comedido, agora parece mais uma questão social, de castas, de status.
Essa semana, a Havaianas lançou uma collab com a Dolce & Gabbana e, de forma eufórica (afinal, só se vive uma vez rs), compartilhei a novidade no Twitter assim que a notícia saiu e o post engajou bastante e saiu da bolha. A grande maioria adorou a collab, uma outra parte gostou, mas com a mão na consciência, afinal, D&G tem histórico polêmico, teve uma parcela que não gostou, e também teve parte que achou “CAFONA, BREGA, ESTAMPA DE POBRE!!".
Aí, incorporando Carrie Bradshaw “I couldn’t help but wonder” versão Twitter, soltei esse inocente desabafo:
E ele conseguiu engajar mais que o tweet da sandália. E aí que entra meu fascínio pela moda, pelo escrever moda, pelo comunicar moda. Tal qual Carrie, me peguei pensando, enquanto deveríamos evoluir, estamos involuindo nesse ideal da moda e comunicação de personalidade, de estilo.
Nos replies, a maioria de fato defendia a oncinha, gostava, adorava, mas os que criticavam, não era simplesmente por não gostar da estampa, eles imputavam o tal selo da cafonice, da breguice, da FUBANGUICE.
Veja bem, quando eu digo “povo chamando oncinha de brega”, realmente, não é algo novo, maaas, eu notei, que agora vem mais com a pecha da pobreza x riqueza, do status, da roupa que denota “cara de pobre”. Se antes a estampa era eventualmente rechaçada por ser “too much”, “espalhafatosa”, “trash”, agora, mais que nunca tá… COISA DE POBRE. E, se eu já detesto esse termo *cafona*, ele vindo atribuído a questões sociais, me tira mais do sério ainda.
E é bom pontuar, a questão não é PARTICULARMENTE amar ou odiar a estampa, porque, por exemplo, eu não gosto de estampa de vaca, mas IMPUTAR o ideal de ser brega… aí pera lá.
E como eu amo pensar sobre esses temas, LOGO, fazer post, passei a tarde pesquisando mais a fundo sobre a estampa, sua história, fascínio e fiquei MAIS FÃ AINDA! Então vem comigo no tour da oncinha!
A ESCALADA DA ONCINHA
Se tem algo que podemos afirmar sobre o animal print, é que é uma estampa de MILÊNIOS. Desde Seshat, a Deusa egípcia da sabedoria; passando por Dionísio, Deus do Vinho e do Hedonismo; e Anatólia, Deusa da fertilidade. Todos foram retratados usando a estampa e sempre associada a luxo, status e exuberância.
Tanto os faraós egípcios, como os imperadores romanos, usavam peles como símbolo de seu poder e status. O imperador romano Honório até proibiu a sua corte de usar peles de leopardo para garantir a sua exclusividade.
Muitas culturas e civilizações ao longo da história acreditaram que as peles dos animais davam ao seu usuário parte do poder do animal. O povo Zulu, do sul da África, celebrava as peles de leopardo, e as peles artificiais ainda são incorporadas às cerimônias da religião Shembe.
Foi no século XVIII que os aristocratas europeus viajantes começaram a trazer peles verdadeiras. As estampas de animais de seda começaram a complementar os vestidos de renda e os casacos de pele tornaram-se um símbolo de alto status social. As viagens de Napoleão ao Norte da África, desencadearam uma mania de estampas de animais na França, particularmente casacos de pele e tapetes luxuosos.
E os estilistas, buscando variar do repertório de vestidos com estampas florais, começaram a criar novos vestidos com tecidos leves e flexíveis, estampados com réplicas estilizadas da camuflagem de grandes felinos. A julgar pela forma como esses tecidos eram representados na época, a estampa de leopardo foi, desde o início, uma escolha ousada.
Daí no início do século passado, com a produção em massa da moda, a popularização da roupa como um vestir mais criativo e individualizado. E foi à partir dos anos 20 que essa estampa se inspirou na mitologia e foi definitivamente transformada em símbolo de luxo e provocação. A estampa de leopardo viveu seu primeiro boom e era a favorita de mulheres modernas sofisticadas e culturalmente ativas na sociedade, mas também era acessível à classe média ligada em moda e apaixonada por Hollywood.
Atrizes como Josephine Baker e Theda Bara, adotavam a estampa em tom de provocação e numa época de mais liberdade sexual. Foi nos anos 30, com o lançamento do filme TARZAN, que a oncinha definitivamente entrou no universo mais popular e com o olhar de moda.
Pula pros anos 40 e Christian Dior sendo o primeiro estilista a adotar a estética e usando a estampa (não de pele), em 1947 na sua passarela. E ainda proclamou: “Se você é justo e doce, não use!”.
Ainda nos anos 40, a estampa foi referência no movimento pin-up e em seu ícone máximo, Bettie Page. Já nos anos 50, as estrelas de cinema, Ava Gardner e Marilyn Monroe, reforçavam o ideal da estampa como algo glamuroso, confiante e com pitada de provocação sexual.
Agora corta pros anos 60 e a oncinha entrou no movimento da contracultura e tinha um viés mais social e recheado de simbolismos. Nas boutiques da londrina Carnaby Street, na frança com Brigitte Bardot, com Bob Dylan - que tem até verso de música sobre o tema, Andy Warhol, Edie Sedgwick. Foi nessa época que a onça começou a se tornar mais controversa, a medida que se tornava mais popular.




Nesse período, a produção em massa permitiu que outras estampas de animais ganhassem popularidade. Pele de cobra, listras de zebra, estampa de tigre e de girafa começaram a entrar no cenário da moda.
Foi com a ajuda do famoso casaco de leopardo da primeira-dama Jacqeline Kennedy, que a estampa se tornou definitivamente célebre. O modelo era um casaco de pêlo SINTÉTICO da marca francesa Cassini. Logo, a procura por casacos de leopardo estilo Jackie disparou, só que pros leopardos, a tendência foi um desastre. Estima-se que 250 mil leopardos morreram para satisfazer os consumidores que queriam se vestir como Jackie. Uma década depois do famoso look, o governo dos EUA colocou os leopardos na lista de espécies ameaçadas de extinção, tornando ilegal a importação das suas peles.
Na esteira dessa questão, a debandada veio justamente com o movimento hippie, que chamou a atenção para as questões dos direitos dos animais e a selvageria da indústria de peles, o uso de estampas e peles de animais (reais ou não) tornou-se algo datado, fora de moda e moralmente duvidoso.
Mas, logo em seguida, reforçou-se que a grande maioria das estampas usadas eram em tecido, e não pêlo de animal, então o próprio animal print se tornou símbolo de uma luta que começou a ganhar força nessa época.
E foi justamente nos anos 70 que ela recuperou seus dias de glória e entrou definitivamente pros anais culturais, mais do que um símbolo de moda, mas também um ato de provocação, resistência, opulência e irreverência. Saía o aspecto do status e poder, e entrava o ideal rebelde e selvagem.
A era pop rock glam punk, então comandada por David Bowie, Debbie Harry e Iggy Pop, todos partidários da extravagância, seus figurinos eram trabalhados no fashionismo, havia maquiagem e, claro, oncinha para quebrar tabus sobre gênero e sexo.
Nessa época, a estampa estava tão envolvida numa cultura mais contestadora, que era frequentemente associada às profissionais do sexto, afinal, a oncinha era comumente coordenada com meia-arrastão, PVC e tudo de mais transgressor que a moda tinha no momento.
E tal qual outros elementos da moda, a oncinha também viveu períodos mais discretos? Que nada! Por isso que se trata de um elemento atemporal, ela sempre andou em paralelo com a moda, com a cultura e com simbolismos que atravessam tempos. Nos anos 80, na era do auge glam, é lógico que a estampa ia se fazer, e se fez muito! Não só na música, mas no cinema, editoriais de moda e cada vez mais espalhada pelas ruas das grandes capitais.
Aí chega os anos 90 e uma era mais cool e minimalista, então elas descansaram, certo? Errado! Foi aí que elas entraram no olimpo da moda, mais precisamente grandes estilistas como Gianni Versace e Roberto Cavalli usando oncinha como a gente usa o básico do básico! E eles foram além, eles ESTILIZARAM a estampa para além do “clássico”, mexerem em cores, escalas e proporções.
A moda italiana respira oncinha e de maneira mais extravagante, pop e fashionista, tem uma decadance avec elegance, ainda que um toque subversivo, fashion e muito sexy. A estampa de oncinha era sempre associada a poder, luxúria, sexualidade e não muito à “pobreza”, como se associa mais hoje, o que é uma pena. Daí as pessoas que mais rejeitam, eventualmente são aquelas que querem PARECER ser ricas, mas muitas são pobres… de espírito ao menos.
Aí que a gente volta à pauta Dolce & Gabanna que, apesar de todas as problemáticas de seus estilistas, tem um signature look que atravessa estações e é totalmente identificável com o jeito italiano de ser e vestir (e muito com o brasileiro também). E, honestamente, é chato à beça enxergar essa moda com o viés punitivo de coisas mais exuberantes, maximalistas e controversas. No final, pra mim, não existe roupa cafona, mas talvez pensamentos cafonas.
O QUE É CAFONA PRA VOCÊ?
Aproveitando a pauta, resgatei um post do Fashionismo de 2015 pra comprovar a tese que desgosto da expressão. Aproveitando o tema e pensando em estender esse assunto pro próximo #TTtalks, concatenar ideias e atualizar esse post que, apesar de antigo, atemporal:
Pro dicionário é adj m+f De mau gosto: Chapéu cafona. s m+f 1 Pessoa que se caracteriza pela falta de bom gosto ou pelo gosto estragado, principalmente no trajar e nas coisas da vida cotidiana. 2 Pessoa sem modos, acafajestada.
E sabe de onde vem a origem da palavra cafona? Segundo meu amigo etimólogo, Deonísio da Silva, autor do livro “De onde vêm as palavras” (e de tantos outros): veio, ironicamente, do Italiano “cafone”, palavra derivada do Latim “Cafo”, nome de um centurião romano de hábitos rudes, grosseiros.
Digo tudo isso porque outro dia vi uma pessoa falando que uma peça x era “muuuito cafona”. Daí pensei, “iiisso é cafona?”, mas por quê? Nunca imaginei que tal coisa pudesse ser chamada de cafona (se eu contar vocês nem acreditam). Tipo, não era algo ~popularmente cafona~ como uma pochete ou um saruel, era uma roupa normal, do cotidiano, que você aí usa de boa e que essa pessoa simplesmente achou (“muuuito”) cafona. Ué, mas por que esse danado é considerado cafona? Porque essa pessoa definiu isso como cafona? Acho que ela tem todo o direito, mas também acho arbitrário.
Daí me veio outra historia que li na última semana da jornalista Cora Rónai, que em sua coluna chamou algo de espelunca, esse algo (uma pizzaria) se sentiu logicamente ofendido e Cora fez uma excelente mea culpa e reflexão sobre o poder das palavras. Em cada ouvido, uma sentença e um peso que pode ser razoável para uns, mas pode soar infeliz para outros.
Voltando à cafonice, se você acompanha o blog há 7 dias ou 7 anos sabe que evito ao máximo (e geralmente consigo) empregar a palavra cafona. Acho pesado e até grosseiro usar o termo assim deliberadamente. Existem maneiras bem mais sutis – e inteligentes! – de desgostar de algo, de achar feio, ultrapassado, demodé (taí palavra demodé, demodé). Chamar uma coisa x de cafona é muito raso e generaliza algo individual. Também acho um pouco arrogante e, eventualmente cafona, alguém com a pretensão de ditar o que é cafona ou não.
É óbvio que no nosso dia a dia, chamar algo de cafona é até natural, mas ao mesmo tempo, rótulos assim não estão ultrapassados? Palavra como essa não tem um peso desnecessário, ou pior, soa esnobe? Lógico que a pessoa em questão era pública, com isso o peso muda e a força da palavra também. Eu, enquanto blogueira, me preocupo mil vezes – até demais – com o tom das minhas palavras, preciso ser responsável e cuidadosa e, no que diz respeito à cafonice, jamais me atrevo a ditar algo tão relativo, salvo raras e inevitáveis exceções… como a pochete, tô brincando pochete, você foi só um caso clássico! :)
Acho que nos dias de hoje, nos quais as pessoas estão bem mais conscientes, libertas de rótulos e livres de preconceitos, cafona se torna uma palavra desnecessária, com o perdão do nobre centurião italiano. Resumindo, pra mim, cafona é ditar algo de cafona e pra você, afinal, o que é cafona?
O QUE DIZEM DA ONCINHA?
E como passei o dia pesquisando sobre o tema, encontrei dois livros na Amazon que vão mais a fundo ainda no universo das estampas de oncinha. Acabei comprando o “Leopard: Fashion most powerful print”, com taxas de importação custou R$195 aqui e chega em 2 semanas, vi umas fotos e ele me parece um deleite visual e histórico.
E ainda tempo o “Wild: Fashion Untamed”, que fala sobre todas as estampas da natureza e foi feito pelo curador do Met, ALIÁS, eis um bom tema para um próximo Met: Animal Print.
Pra finalizar a pauta, fiquei pesquisando o que estilistas, fashionistas e até políticos tem a dizer sobre a célebre oncinha!
“Eu nunca vi uma estampa de oncinha que eu não gostasse!” - Diana Vreeland
“Por que gostamos de usar estampa de leopardo? Para que possamos nos sentir mais próximos de algo que é incrivelmente lindo, gracioso e precioso... e um pouco perigoso.” - Donatella Versace
“Até onde eu sei, leopardo é uma estampa NEUTRA!” - Jenna Lyons
Os animais vêm da natureza. Eles não foram projetados. Toda a minha inspiração vem da natureza, seja ela um animal ou o desenho de uma casca ou de uma folha. Às vezes meus padrões são muito ousados e você mal consegue ver de onde eles vêm, mas todas as texturas e todas as estampas vêm da natureza." - Diane von Furstenberg
“Eu faço vestidos com estampa animal porque eu amo copiar Deus. Eu acho que Deus é o designer mais fantástico” - Roberto Cavalli
"Me sinto empoderada quando uso estampa de oncinha, o que acontece sem surpresa quando você pensa que leopardos fêmeas são caçadoras com orgulho"- Claudia Schiffer
Não é o sonho de toda mulher ser uma felina? Com estampa de leopardo você se sente ágil e sexy” - Dvf
"Meu ponto fraco é usar muita estampa de leopardo." - Jackie Collins
“Estampa de oncinha nunca perde seu posto na moda!" - Iman
"Um mundo sem leopardo?! Tipo, quem gostaria de viver nele?!” - Diane Vreeland









Beijos e bom fim de semana!
Thereza
nossa, the, eu sou MUITO sua fã! como é refreshing ver alguém estudando e mergulhando em um assunto pra escrever sobre ele em uma era de influencers sem conhecimento teórico dando pitaco sobre tudo. obrigada por levar seu trabalho a serio, obrigada por se divertir com moda, obrigada por entender que moda nao é igual a roupa, é sobre historia, contexto, sociedade, politica e tanta coisa mais. você é f0>@, esse texto é f0>@ e oncinha é f0>@!!!
Thereza, é sempre um prazer ler seus posts, em especial esses mais completos. Num mar de influencers e consultoras que se restringem ao look do dia (que muitas vezes é só uma cópia de cópia de cópia de alguma marca) ou a ditar o que é ou não elegante, você sempre chega com informação e história da moda. E vou falar a verdade: terminei de ler doida pra comprar alguma peça de oncinha.