Comprando a ideia da Shein
Eles vendem de tudo, só ainda não sabem vender a ideia de que são uma marca ética
Comprar confiança, investir em marketing, conquistar status, nada disso é método novo de marca, seja de qual segmento for. A francesa Michelin, por exemplo, é um case mundial - e secular - de marketing de conteúdo, afinal, quem diria que uma marca de pneus fosse parâmetro para restaurantes estrelados do mundo? Ou até mesmo a Coca-cola “inventando” o papai noel como entendemos hoje? E por que não mencionar o pai do Dória e a criação do nosso dia dos namorados rs?
São muitas histórias, referências e storytellings, tudo pra agregar valor e faturamento à marca. Com o advento das redes sociais e suas cifras estratosféricas, esse método extrapolou formatos, versões e - eventualmente - ética.
Eu mesma já participei de diversas ações de marketing, lançamentos, excursão (rs) com blogueiras pra conhecer produtos, hotéis ou o que fosse. Em algumas ações éramos pagas (#publi), em outras existiam contrapartidas (#permutas) e ainda tinham aquelas que íamos pelo prestígio da marca envolvida (#parceria). Em comum uma coisa - isso eu falo por mim: a confiança na marca, em acreditar no seu propósito, valor, produto, transparência.
E foi bem isso que NÃO aconteceu na famosa - e já famigerada - press trip que a Shein promoveu semana passada com influenciadores para sua sede em Guangzhou, na China.
Antes de mais nada, vale dizer: já comprei algumas vezes na Shein (sou mais de acessórios do que de roupa) e meu teto é de vidro quando diz respeito a fast fashion no geral. Entendo a função desse segmento que inclui mulheres antenadas em moda, é acessível, inclusiva e democrática. E também observo a crítica de pessoas, digamos mais abastadas, como uma forma de se sentirem moralmente superiores e não necessariamente éticas. Dito isso, também é possível entender toda a problemática sem cair pro lado hipócrita da força.
FOCO NA VIAGEM
O propósito da viagem era basicamente para que alguns influenciadores conhecessem o “Centro de Inovação” da marca. E que nesse tour eles pudessem desmitificar a origem dos produtos e toda sua concepção, desenvolvimento e execução. Ao final, o conteúdo se tornaria parte do “Shein 101”, uma docusérie produzida pela marca que mostra o backstage de seu império aka tudo pra humanizar.
Tudo parecia eventualmente normal, afinal, existem inúmeras presstrips com inúmeras outras marcas não tão ~éticas. Só que a questão que repercutiu mundo afora é que esses influenciadores parecem que foram instruídos a replicarem o posicionamento da marca como ético, sustentável e com boas condições de trabalho, do que apenas fazer um look do dia ou dancinha #sponsored.
A polêmica que estourou não foi apenas de mais uma press trip de influenciadores para conhecer a sede de uma marca, mas a questão foi o discurso alinhado e que vai contra algo factual.
Uma semana depois, a maioria dos vídeos da meia dúzia de influenciadores participantes já estava fora do ar por conta das milhares de críticas internet afora, mas li várias matérias e tweets a respeito e reuni algumas frases, muitas delas surreais:
"Estou animada e impressionada em ver as condições de trabalho e o quanto a Shein é complexa e desenvolvida"
“Ver o quão moderna e avançada é sua fábrica, é agradavelmente surpreendente”
“Acho que minha maior lição dessa viagem foi conseguir pensar de forma diferente, entender os fatos e ver com meus próprios olhos. Há uma narrativa alimentada para nós nos Estados Unidos e eu sempre gosto de ter a mente aberta e buscar a verdade. Então, sou grata por isso e espero o mesmo para vocês”
“Mais confiante que nunca pra comprar na Shein”
“Tem muitas empresas que não estão tendo metade da iniciativa que a Shein vem tendo. Eles estão cientes de todos os boatos (!!) e, ao invés de ficarem quietos, estão lutando com todo seu poder para não apenas nos mostrarem a verdade, mas para continuarem evoluindo e serem o melhor que puderem.”
"Conversei com alguns funcionários da fábrica e eles pareciam chocados com esses boatos (!!) de trabalho infantil e escravo. Também esperava ver funcionários em condições precárias de trabalho, mas só vi funcionários tranquilos e que mal suavam(!!!!)"
O ELENCO DE APOIO
Não sei se vale a pena citar o nome dos tais influenciadores (eu não conhecia nenhum), porque uma questão é clara: pode até parecer ingênuo dizer, mas eles não deixam de ser vítimas da estratégia. Lógico que eles sabiam de todas as polêmicas e questões da marca, mas eles foram parte de um método criado pela marca.
O pequeno casting consistia basicamente em pessoas até então ~progressistas e que comunicam com o ocidente (aka Estados Unidos). Até aí ~tudo bem, mas a marca foi mais estratégica ainda e pensou num segmento, digamos, marginalizado, por marcas em geral. Eles quiseram parecer inclusivos, logo, contrataram mulheres gordas, pretas, latinas e não por justiça, mas por entender que no geral esses influenciadores médios (ninguém ali estava na casa de milhão de seguidores), tem menos acesso e possibilidade de contratos vultosos e press trips nababescas.
Questiona-se, inclusive, que alguns deles mal ganharam cachê, mas apenas foram em troca de permuta e exposição. Agora QUE exposição! Eles tem sofrido críticas e retaliação e essa viagem extrapolou a bolha fashion e repercute - negativamente, mais do que eles ou do que a própria a Shein imaginava!
Não é isentar esses influenciadores do que eles influenciaram, mas ainda assim a Shein foi, digamos, capciosa nessa escolha.
Inclusive existe uma thread no Twitter revelando através de prints dos próprios vídeos anteriormente compartilhados, que o tal “Centro de inovação” de muito longe lembrava uma fábrica e mais parecia uma versão higienizada, um showroom pra impressionar os influenciadores, logo, seus influenciados.
Um fato pra corroborar que essa presstrip era uma grande fachada? Segundo a Time, a tal fábrica visitada é apenas uma das SEIS MIL que a marca utiliza pra produzir seus MILHÕES de looks.
Mais poderosa do que nunca
Outra razão mostra a busca da Shein por um novo posicionamento: em 2024 eles planejam abrir capital nos Estados Unidos, logo, precisam mostrar a casa arrumada.
Recentemente foi revelado que para 2022 sua expectativa de faturamento está em 100 bilhões de dólares, mais do que suas rivais Zara e H&M JUNTAS. Inclusive, enquanto a espanhola tem uma média de 600 novo produtos inseridos no seu site por semestre, a Shein coloca em média 6.000 novos produtos no mesmo período.
E em resposta às críticas sofridas por essa última viagem, a marca se posicionou.
“A SHEIN está comprometida com a transparência e esta viagem reflete uma maneira pela qual estamos ouvindo feedbacks, oferecendo uma oportunidade de mostrar a um grupo de influenciadores como a SHEIN funciona por meio de uma visita ao nosso centro de inovação e permitindo que eles compartilhem suas próprias percepções com seus seguidores.
Seus vídeos e comentários de mídia social são autênticos, e respeitamos e defendemos a perspectiva e a voz de cada influenciador em sua experiência. Esperamos continuar a fornecer mais transparência em nosso modelo de negócios e operações sob demanda.”
Uma mão na consciência e outro na sacola
Ainda escrevo essa newsletter com um pouco de consciência pesada, de quem ainda consome fast fashion, mas bem menos que 5 anos atrás. Não somos perfeitos, mas estamos aí para observar e melhorar. Termino esse papo com um trecho do livro que li esse final de semana, "The world is on fire, but we're still buying shoe".
Se comprar é o problema, a pauta sustentabilidade não é a única resposta. Nossos hábitos de consumo geram um impacto terrível no ambiente e também demandam mudança. Nós não precisamos que algumas pessoas sejam perfeitas, precisamos que milhões sejam melhores. É ok comprar, desde que seja menos e melhor".
E pra você, é totalmente contra, compra por conta das possibilidades ou não viu problema na viagem? E mais, é possível colocar uma mão na consciência e outra no botão confirmar?
Matérias sobre a Shein
Yahoo: Influenciadores estão sendo criticados por defenderem a Shein
The Cut: Shein leva influenciadoras para um tour em sua fábrica.
The Star: Influenciadoras sofrem retaliação por visita à fábrica da Shein.
Time: Shein é a marca de moda mais popular do mundo a um alto custo para todos nós.