Os últimos cinco anos da moda podem ser resumidos meio que assim:
Pandemia para todos.
Dopamine Fashion para os mais entusiasmados alienados.
Quiet luxury para os mais deslumbradamentes discretos.
As pessoas mal colocaram as oncinhas e/ou looks clean pra jogo que a ciranda da moda girou e só se fala em outra coisa!
Eu amo moda, mas também amo acompanhar o mercado da moda e comportamento de consumo. Gosto de traçar paralelos e pensar para além da próxima trend alert e esse tipo de conteúdo sempre foi bem recebido no Fashionismo-blog e no Fashionismo-newsletter.
Agora 2024 mal acabou (a falta da linha temporal do já saudoso “é natal na Leader Magazine” nos deixa confusa) e já é possível projetar 2025 e digo com convicção: é o fim do luxo (ao menos como a gente entende).
“Luxo é feito para ser caro: marcas negociam com uma percepção de exclusividade que é reforçada por preços altos. Mas há um consenso crescente na indústria de que os preços estão muito à frente — não apenas de qualidade, mas de criatividade e desejabilidade. Em muitos casos, a proposta de valor parece fora de sintonia até mesmo para os clientes mais ricos.” - Business of Fashion
Estamos falando daquele tipo de luxo que se desenhou nesses anos pós-pandêmicos. Um pseudo luxo, uma projeção de luxo, um ideal de luxo, mas, como dizem por aí: de HB20 e na fila do Assaí.
Na Newsletter de hoje vamos pontuar alguns fatos que levam a crer nessa transformação de paradigma: do old money à queda de faturamento de grandes empresas nesse trimestre. Vamos falar do presente, do futuro projetado e do que nos resta. Ok, spoiler: será sobre criatividade.
De onde veio essa nova ideia de luxo?
Nos saudosos anos 10’, a estética que prevaleceu foi a esportiva. Os tênis ganharam status fashion, calça de moletom se tornou item descolado e tudo de mais casual ganhou roupagem agradável no feed alheio. Foram tempos bons, tempos puros.
Corta pra 2020 e a tal da pandemia que dispensa memórias, mas sabemos que dali veio uma geração doida (e doída) pra gastar, comprar e luxar como se não houvesse amanhã (pq até outro dia se questionava de fato). Com isso e com as pessoas voltando às ruas, a ideia de se gastar de maneira descompromissada com o amanhã da fatura virou moda.
Daí as marcas viram o povo saindo ensandecido de casa pra comprar e o que fizeram? Aumentaram o preço de tudo, sem parcimônia - e cerimônia - alguma.
Enquanto Chanel e Hermès quiseram se descolar do pelotão do meio da moda, outras marcas ultra sofisticadas ganharam protagonismo e relevância. Nomes como Brunello Cuccinelli e Loro Piana ficaram na moda e geraram desejo para além do seu público alvo.
Se essas marcas de ultra luxo já aumentavam os preços dos produtos a seu bel-prazer (pra não se misturarem, digamos, com a gentalha), nos últimos anos os valores subiram de forma estratosférica e para além do aceitável.
Daí o que as empresas do “pelotão” de baixo - ainda que muito alto - da moda começaram a fazer? Opa, precisamos nos descolar das marcas de moda mais “contemporâneas” e subir de patamar também. Foi aí que a Prada desandou a subir o preço das suas bolsas e elevar o luxo de sua marca, Gucci começou a fazer collabs a torto e direito, Balenciaga se tornou o grito fashion (às vezes mais grito que fashion). E assim sucessivamente.
Ok, Ok, nada do que estou falando é novidade.
Mas o que podemos realizar em outubro de 2024?
Essa conta não está fechando: a dança das cadeiras de estilistas e ceo's de célebres marcas é indicativo que os números até parecem incríveis, mas não são suficientes. E ainda contra tudo isso, vivemos num mundo com guerras instauradas, instabilidade política generalizada e, de quebra, um apocalipse climático que contrapõe a todos os fashionismos (não o blog) vigentes.
Como bem sintetiza levantamento do Bof: ventos econômicos contrários, preços altos e falta de design inovador estão pesando sobre o que antes era o segmento mais dinâmico da moda.
“Após esfriar gradualmente dos picos pós-pandemia, o mercado global de luxo caiu em uma desaceleração adequada, que pode ser mais longa e mais severa do que o previsto inicialmente. O que começou como fadiga do consumidor com produtos fortemente marcados e vendas mais lentas para clientes "aspiracionais" menos ricos se espalhou para faixas de preço e estética. A líder do setor LVMH viu as vendas caírem 1% no primeiro semestre; a proprietária da Gucci, Kering, relatou uma queda de 20%."
Essa conta não fecha
Experiência própria e um paralelo com a moda (e a classe média rs): Em 2012 comprei na Prada de SP uma bolsa Galleria Saffiano roxo clássico. Era um dos modelos mais básicos e baratos da loja na época, apesar de uma bolsa grande, um modelo que não era de passarela. O preço? R$4.650.
Entrei no site da marca pra saber o que compro com esse valor hoje e a resposta? Um chaveiro de NYLON em formato de robô.
Sabe quanto a mesma bolsa custa aqui agora?
Vinte e oito mil e quinhentos reais!!!
Na época, e daí resgato um post do próprio Fashionismo, o modelo na gringa custava U$2.000 e agora custa U$4.600!! Enquanto lá fora houve um aumento de 130%, aqui passa dos 500%!
Agora é lógico que existem questões econômicas fortíssimas, nossa moeda desvalorizada, poder de compra e etc, MAS, AINDA ASSIM, nada justifica esse destempero global! A maior questão mesmo é que a marca simplesmente quis elevar o patamar e isso no mundo todo.
“Aumentos acentuados de preços desde 2019 — tanto uma resposta aos custos crescentes quanto uma tentativa oportunista de aumentar as margens — pioraram o golpe para os consumidores que já estão sendo pressionados pela inflação, levando muitos clientes a se desligarem das marcas de luxo. Outros se tornaram mais atentos à qualidade em declínio: relatos de costuras tortas, hardware mais barato e más condições nas fábricas se tornaram virais nas mídias sociais, prejudicando a percepção da marca.
Os preços atuais de artigos de luxo estão, em média, 54% mais altos do que antes da Covid, de acordo com o HSBC, com modelos conhecidos subindo ainda mais: o preço da 2.55 da Chanel aumentou 91%; a Speedy da Louis Vuitton subiu 100%.
“Os consumidores não são ingênuos… Há um elemento de arrogância, a chamada 'greedflation” aka “Ganância Inflacionária. E uma vez que as marcas de luxo aumentam os preços de produtos icônicos, é difícil voltar atrás.” - Bof
Agora tem um outro ponto meu particular e que é um paralelo à toda essa problemática. Ano passado a alça comprida dessa mesma bolsa arrebentou. Eu estava com peso normal, voltando de uma viagem e PÁÁ rasgou do nada, nem mandou aviso prévio.
Então daí a gente pensa, e que pode ser pauta pra outro post: se bobear nem podemos mais usar daquele famigerado artifício de “bolsa pra sempre”, “bolsa pra filha” e outros blá blá blás mais.
Vale lembrar que mês passado, célebres marcas de luxo enfrentaram crise semelhante a de fast fashions, como Zara, e isso com muitos cifrões a mais: Uma investigação italiana que vincula marcas de luxo, incluindo Dior e Armani, à exploração trabalhista - com as cadeias de fornecimento de até uma dúzia de outras marcas sob análise - expôs uma prática duvidosa profundamente enraizada no sistema de luxo, criando uma crise de relações públicas imprevisível em um momento precário para o setor.
E aí que entra um fator destacado pela matéria do Bof: O luxo também precisa reorientar seu foco para a qualidade genuína e o artesanato ético, e longe de produtos de luxo produzidos em massa, alimentados por propaganda e marketing de celebridades.
Por exemplo, na última semana a Louis Vuitton fez uma campanha estratosférica com celebridades do mundo todo divulgando a tradicional bolsa Neverfull, justamente numa tentativa de alavancar as vendas de um modelo outrora ícone. Mas como questiona a publicação, esse buzz não deve ser um indicador-chave de desempenho para esta indústria e muito menos averbar a qualidade de um produto.
Enquanto toda essa campanha criada para impactar jovens da Gen-Z, sabe o que eles tem respondido em pesquisas sobre consumo? Para muitos, “uma compra de luxo parece imprudente agora”.
“A arquitetura de preços precisa ser reavaliada para atrair novos clientes e atender às suas expectativas de valor.”
O luxo não acaba, se reinventa
Semana passada a LVMH (dona da Vuitton, Dior e grandesíssimo elenco) noticiou um declínio de 5% nas vendas do terceiro trimestre em sua principal divisão de moda e artigos de couro. Agora o que significa essa forte (sim, 5% pra essa galera é coisa pra caramba) desaceleração na demanda de luxo? Marcas de todo o setor estão agora em modo de corte de custos, reduzindo pessoal, consolidando operações de varejo e reduzindo despesas de marketing.
É preciso realizar que todo esse novo cenário não mexe só com quem consome luxo de fato, mas impacta em toda a cadeia de moda e ressoa até em quem apenas compra seu bom e velho novo look na fast fashion mais próxima. Afinal, se elas se inspiram nas grandes marcas e essas marcas perderam a “inspiração”, a mudança vira a tendência geral
E sobra pra quem? Pra tal da criatividade. Um mercado em retração exigirá um foco renovado na criatividade, maior inovação e uma mudança de mentalidade.
“Estes são tempos difíceis para nossa indústria de moda que se tornou apenas sobre luxo. Quase tudo hoje parece simplificado para agradar e mirar o consumidor, em vez de melhorar a criatividade e inovação”, Ezra Petronio, diretor de arte
Então um dos sinais que veremos no próximo ano é de um novo ideal criativo e não só na roupa que a gente veste, mas também novas marcas alternativas dando o tom, novas formas de fazer moda, outros materiais. Em tempos difíceis e escassos, a criatividade sempre ajuda a reverter o cenário e criar novos momentos, afinal, o luxo não acaba, ele tem financiamento suficiente pra sempre se reinventar.
Em paralelo à tentativa de reinvenção do luxo, pode reparar a chegada de um novo paradigma cultural. As marcas também estão trabalhando para reforçar sua influência na cultura, se envolvendo mais profundamente com devotos de esportes, arte, música e muito mais para continuar animando suas marcas na ausência de uma grande ideia estética nova.
“De fato, se há um lado positivo em tudo isso, é que a desaceleração atual deve desbloquear mais inovação, criatividade e personalização regional por marcas que querem continuar atraentes para seus clientes.”
Viajar será mais preciso
Agora, ainda assim, o modus operandi do consumo exacerbado e da ostentação desmedida vai ceder espaço para novas frentes de… luxo, claro! Talvez ainda exista tudo isso, mas agora com novas propostas.
Antes da pandemia, os clientes já tinham começado a reajustar seus gastos, afastando-se de produtos de luxo e mirando em direção a extravagâncias no mundo das experiências, como viagens, restaurantes e bem-estar.
Essa pauta é falada há tempo, desde antes da pandemia mesmo que muitas pessoas focam na experiência. Mas só agora, quase 5 anos depois que o mercado de viagem vem voltando ao patamar de 2019.
O público está mais uma vez questionando a proposta de valor geral que as marcas de luxo têm a oferecer, especialmente quando comparadas à sensação de realização e personalização que os luxos das tais experiências podem proporcionar. Uma bolsa da Dior ou uma viagem pra St Barths? APARENTEMENTE, até os ricos ponderam e na balança do luxo eles andam preferindo viajar (e, ok ok, vão comprar alguma bolsa lá rs).
Contra fato não há looks
Demorei alguns dias pra concatenar as ideias e reflexões desse post e enquanto ele se desenvolvia, novos números de grandes marcas de moda eram publicados. E todos eles reafirmando a ideia da crise no luxo e do consumo em geral.
» A Hermès enfrenta o trimestre mais lento em anos, à medida que os problemas do setor de luxo se espalham.
» O faturamento da Gucci, principal marca do Grupo Kering, caiu 25% no último trimestre.
» Vendas do 3o trimestre do Grupo Zegna caem 7%.
» Receita da Ferragamo cai 7,2% no 3o trimestre e quase 10% em nove meses.
» Vendas do 3o trimestre da L’Oréal ficam abaixo da expectativa.
Veja bem, o luxo de modo default ou ostentação não vão a lugar algum. O preço daquela Chanelzinha dos sonhos não vai baixar. O rico (rico) não vai ficar pobre e o Haddad não vai taxar nossa fortuna rs. Os super ricos continuarão luxando à sua maneira!
O que liga o sinal amarelo para grandes conglomerados é por conta do "comprador ocasional de luxo"! São eles (somos nós?) que impulsionam os negócios de megamarcas a aumentarem sua escala! E isso que tem assustado essas grandes empresas. Ao passo que eles queriam se distanciar desses "novos ricos" ou "ricos de ocasião”, aparentemente eles já estão sentindo falta deles (da gente?). 2025 será repleto de novidades!
Beijos e bom final de semana!
Thereza
Excelente. Vi estas notícias e confesso que peguei um abuso, rs. A Dior pagando 53 euros na produção de uma bolsa de mais de 2600 euros é um absurdo nas duas pontas. E não acho que o alarde foi proporcional. Deveríamos estar mais indignados. Precisam melhorar e muito.