A moda pra vestir, postar, viralizar
São muitas funções pra uma roupa só: vestir, causar, impressionar, gerar buzz, apelo, views, aviõezinhos encaminhados, dancinhas coreografadas... ufa, mas e a forma segue a função?
Você consegue lembrar quando foi seu primeiro contato com a moda? Não digo quando você recém-nascida usou aquele pijaminha lavado com sabão de coco e engomado como alta costura da Carter's (ok, na minha época as marcas eram Bué, Chicletaria rs) mas quando você deixou de ver a moda como função (vestir), mas sim como forma (comunicar).
Eu lembro, eu tinha meus 10 anos e meu irmão mais velho falou pra mim “nossa, você vai vestida esculachada assim?”, a ocasião deveria ser algum almoço casual de família e meu look? Uma camisetona e bermudinha ciclista, hits casuais de qualquer pré-adolescente carioca. Como uma Gkay de 1992 com apenas 1 seguidor, recebi o crítica e me reinventei.
Depois disso parece que eu floresci *fui vítima de bullying* e entrei na fase adolescente arrumadinha patricinha e que amava lojas, tais como: Cantão, Company, Redley, Salinas, Fabricatto, Yes! Brazil, Compulsive, Ecclectic e muitas outras que minha memória eventualmente esquecida, esqueceu.
Não, esse post não vai ser uma timeline dos fatos da moda na minha vida, mas um preâmbulo pra contextualizar a moda atual e um paralelo com meu lado arquiteta.
Na moda, a forma segue a função?
A célebre frase “Form follows function” é um princípio da arquitetura modernista que destaca que para um projeto ser eficiente, sua forma deve seguir uma função, um propósito. Basicamente a prioridade de uma construção, espaço ou objeto é atender à sua finalidade, extinguindo supérfluos e mantendo apenas aquilo que é realmente necessário. Vale dizer que a função não dita a forma, mas a forma de uma estrutura deve ser uma expressão da função do edifício.
Lembro muito bem de um caso contado por uma professora da faculdade de um arquiteto renomado americano de décadas atrás que projetou uma dessas premiadas casas e tinha uma belíssima lareira de vidro. No dia que os donos usaram pela primeira vez, logo ela ficou preta de fuligem e imediatamente entraram em contato com o arquiteto pra saber como proceder, se tinha havido algum erro. Não tinha. Na época o arquiteto basicamente mandou um “vocês que lutem” e ele já tinha cumprido seu trabalho de fazer uma lareira fotogênica e o resto é história e problema pros donos.
Agora trazendo pros tempos atuais, será que a forma tem seguido a função em tempos de Instagram, TikTok e conteúdos que parecem existir apenas para viralizar?
Não que os estilistas estejam fazendo roupas difíceis conforme o nobre arquiteto da lareira (queria muito ter lembrado o nome), mas a gente que tá criando problema, ou melhor, pressão sobre a roupa. A indumentária-roupa, se tornou performance. Isso pode ser eventualmente legal, mas até quando e por quanto tempo?
VIRALIZÁVEL X USÁVEL
Hoje postei no Fashionismo um report de tendência de como 2023 será sobre essa batalha do instagramável x usável, da dopamine fashion x normcore recession. Eu não pretendo abandonar as plumas que comprei nos últimos anos e muito menos as estampas de oncinha que formam meu caráter fashion, mas os próximos anos de fato serão sobre uma moda mais contida e menos colorida.
É quase como aquele prato que você come pra limpar o paladar entre uma refeição e outra, é basicamente a laranjinha digestiva da feijoada. Uma passagem, uma entressafra criativa.
Creio que depois de looks exóticos, coloridos e extravagantes, essa de fato vai ser uma temporada mais sóbria e não ache que vai durar até o próximo verão, mas essa introspecção fashion vai durar um pouco mais pq não é uma tendência pontual, mas sim um movimento da moda.
ROUPA ALGORÍTIMICA PRO FEED IMPECÁVEL
Carro Tesla, Chat GPT? Quero ver algum gênio ambicioso do Vale do Silício fazer acontecer uma roupa com algoritmo automático que faz a gente ficar nas cabeças do feed, no topo do explorar e no número 1 do trending topic, enquanto esse milagre da tecnologia não chega…
O vestir segue sendo pra causar (causar likes e não necessariamente causar disrupção fashion). E tá tudo bem, todos nós queremos isso, inclusive, se você vir uma foto minha no seu feed: curta e comente <3 Mas até que ponto - e a qual custo - as pessoas vão querer isso?
Engraçado que há 15 anos trabalhando com moda, falando e comunicando moda, nos últimos 3 meses que tenho vivido esse lado vestir moda. Não, eu não andava pelada por aí, mas com o lado arroba thereza chammas, o pensamento é natural, urgente e precisa ser estratégico… ai meu deus pq eu não fui fazer look do dia em 2008 onde tudo que a gente precisava era uma parede branca e uma cyber-shot pink da Sony na mão???
Hoje em dia o vestir precisa ser estratégico pra viralizar, logo, faturar. Eu não estou falando novidade alguma, talvez isso exista desde 2014 de forma mais intencional e menos espontânea, mas só agora que sinto: essa pressão de fazer look do dia todo dia (e eu nem faço todo dia hein) tem me feito repensar no que eu quero comunicar e a quantidade de roupa que preciso comprar.
Longe de mim ser uma bastiã da sustentabilidade (hello, consumo fast fashion à beça, mas muito por outros fatores e que podem ser pauta do próximo FASH!mail), mas acima de tudo essa urgência em estar sempre com roupa nova pro feed me dá uma certa sensação de angústia, uma agonia, uma falta de pertencimento à essa máquina moedora de vestir um look novo a cada look do dia.
Isso pq sigo fiel ao meu estilo pessoal, mas outro dia, em pleno carnaval 40 graus do Rio de Janeiro eu estava com uma blusa de oncinha de segunda pele de poliéster e manga comprida pq queria fazer uma foto pro feed. E a foto tinha que ser fundo neutro e meio marrom pro meu feed também meio marrom (filtro cocoa do app tezza). Aí entrou a Maria Eduarda no meio do tal feed com um lookinho branco florido que precisava entrar no bendito feed pq era entrega do cliente e bagunçou meu intocável feed. Não vou tirar minha filha da grade (nem se eu quisesse rs). Meu Deus preciso comprar uma outra roupa marrom e intercalar com uma foto de paisagem, um detalhe de anel, comida. Vai Thereza, faz uma receitinha.
Foto respiro!
Foto respiro.
Foto respiro…
É caótico, ainda que fascinante, é caótico. Me pego horas naquele app “Feed Preview” mexendo nas minhas futuras fotos como quem brinca de quebra-cabeça. É fascinante e caótico, mas é urgente. Seja mini, macro, giga, da sua vizinha à Gisele (a Gisele eu acho que não), eventualmente pensamos em roupas pra causar um tipo de sensação ou comunicação: autoconhecimento, autoestima, chamar a atenção do crush, impactar a amiga (ou a inimiga?!!), impressionar a chefe… e coloca mais um check dos tempos instagramáveis: o feed organizado segue reinando absoluto.
Repito, nada é novo, mas mais do que nunca se questiona. A Balenciaga mesmo, anos atrás fez um feed do contra e bagunçado, e causava comoção (hoje causa repulsa), mas é cada vez mais atual e urgente resgatar a funcionalidade da moda, a autenticidade e espontaneidade em se vestir.
No desfile da semana passada da Prada, Miuccia, que está sempre um aninho-luz à frente dos reles mortais, profetizou,
"o que me interessa agora é dar importância ao que é simples, valorizar trabalhos modestos e simples, e não apenas extrema beleza ou glamour". Miuccia Prada
Na passarela tinha muito branco, tons neutros e roupas que pareciam uniforme, mas não se engane, o logo triângulo se fazia presente.
No oposto disso, na última temporada, o momento mais marcante? Bella Hadid e um look esculpido in loco na passarela de Coperni. Concepção excelente, propósito? Viralizar, é claro. E assim o desfile da marca francesa em ascensão foi um dos mais falados do mês e suas bolsas adoráveis tiveram um boom de venda.
Seja marca de moda, blogueira, sua vizinha, eu, você ou até a Gisele (ATÉ a Gisele precisou voltar a trabalhar e fazer uns - muitos - trocados depois de anos sabáticos), viveremos o resto de nossas vidas sob essa onda do “ver e ser visto”, dos “15 minutos de fama”, isso é tudo antigo e se adapta a décadas, formas e formatos, mas como a nossa indumentária de fato se reinventará em meio a tudo isso? Eu não sei a resposta, mas o sigo cada vez mais pensando no propósito do meu vestir e buscando a máxima do “vestir e não ser vestida”.
LINKS ÚTEIS
“Usável x viralizável”, Esse foi o post que startou minha elucubração do dia
O BoF também postou hoje sobre essas reflexões contemporâneas em “Qual é o valor da moda viralizável”.
»» WISHLIST
As capinhas da Cases of Love são adoráveis demais para não serem compartilhadas!
A nova linha Bossa da Granado é uma ode ao Rio de Janeiro fragrância refrescante e embalagem linda. Aliás, feliz aniversário RJ!
A Peepou é uma marca carioca fofa e com cada estampa única e graciosa. Dessa nova coleção, adorei a Surfistas que parece ser pintada a mão e a de Drinks, claro!
Por falar em estampa, as de bandana ganham meu coração e essa da nova coleção da Dress To está um charme!
Como total entusiasmada da linha POREfessional da Benefit, fiquei animada com a nova linha de skincare, que tem de tônico a máscara de argila.
Beijos e até dia 15/03!
Thereza