A batalha das estéticas!
Na dúvida entre se vestir como uma camponesa de outrora ou como uma funcionária pública dos anos 80...
Eu nunca imaginei que iríamos sentir saudades das aesthetics frugais que giravam em torno de strawberry skin, vanilla style e cinammon hair*. Colocar nome de comida era o menor dos nossos problemas… mas está preparada para a batalha das TRAD WIVES X OFFICE CORE?!
Trocando em miúdos, é a rivalidade dos looks que envolvem mulheres conservadoras e supostamente pacatas… versus as mulheres com roupa de escritório que se vestem com roupas “masculinizadas".
Pera, vou explicar mais a fundo.
Há uns 2 anos, é possível notar o ressurgimento deu um estilo de vida mais conservador, afinal, sinal de tempos mais sombrios, pautados por costumes Ve religião. Obviamente ele vem depois de tempos mais progressistas, mulheres se libertando, pautas sociais, #metoo, #elenão e por aí vai. Tal qual a moda, comportamentos culturais e sociais vão e vem, o problema é o estrago que muitas deles deixam.
Se viver é um ato político, se vestir tem sido um desafio mais complexo que deveria.
Dito isso, nesses últimos tempos vimos o crescimento de termos como TROPHY WIFE, um upgrade da dona de casa, mas com muitos benesses financeiros e também do TRAD WIFE, a mulher tradicional, que usa roupas conservadoras, românticas, cuida da casa e também de coibir qualquer gesto mais modernoso. O “Bela, recatada e do lar” não é novidade alguma, mas em tempos de redes sociais, se tornou não apenas método, mas moeda de influência.
A Ballerina Farm é uma influenciadora estadunidense muito popular por justamente emular esse estilo de vida perfeito, pueril, simplório e com muitos filhos (e mais dinheiro ainda). Nara Smith é outra Tiktoker muito conhecida por emular esse estilo de conteúdo bem família, de fazer tudo “from scratch” e, de quebra, com uma propaganda religiosa mórmon por trás dessa vida dita perfeita…. e tudo com uma roupagem bem HIGH fashion.
E na esteira desse estilo de vida, que parece inofensivo, mas carrega problemas, veio o Cottagecore e outras estéticas que focam em romantismo, roupas comportadas e tudo na esfera clean girl (que já é muitas vezes problemática e preconceituosa por si só).
Agora se todo esse ideal conservador sempre existiu e vai de cada indivíduo de forma respeitosa, a comunicação é mais moderna e altamente escalonável. Veja os milkmaid dress, aqueles vestidos com jeito de boa moça, até uma pitada sexy (decote), mas ainda assim uma coisa meio garota da fazenda, uma adorável camponesa que tira leite direto da vaca e coloca numa mesa bem pinteresca pro marido. Pq na real, pra esses homens, a mulher só serve pra isso.
O vestido "Raw Milkmaid" romantiza o trabalho exaustivo das mulheres no passado, enquanto se vende um estilo de vida elitista, acessível apenas a um seleto grupo de influenciadoras e mulheres ricas. - Revista Fórum
Esses modelos estão em alta e prometem ser a ~aesthetic do verão gringo, e tudo isso graças a um meio de comunicação em alta entre mulheres fashionistas, but conservadoras: a Evie, uma revista digital feminina americana declaradamente não-feminista e que está bombando entre as ultraconservadoras que apóiam seu atual presidente, mas também com foco em “mulheres moderadas, apolíticas e exaustas”. Ela se intitula uma “alternativa às revistas femininas tradicionais”, uma “Cosmopolitan Conservadora”.
Entre dicas de como estilizar sua saia longa, conselhos amorosos para agradar seu homem na cama, como se ~libertar da pílula anticoncepcional(!!!) e até questionamentos absurdos sobre vacina e outros métodos anticoncepcionais. Tudo como uma envelopagem moderna, pop e com repetição ad nauseum do termo "FEMININA”, favor não tumultuar e confundir com feminista!
Descobri sua existência - e relevância vigente - pq recentemente ela e sua dona foram capa e recheio do caderno de moda e comportamento do The New York Times (vale a leitura aqui). Tudo poderia ser só mais um portal inofensivo que promovesse um estilo de vida mais conservador, looks mais formais o discretos, a moda é isso e as tendências são múltiplas, mas a Evie vai bem além. Ela conta com o patrocínio do bilionário ultraconservador Peter Thiel, que tem financiado projetos alinhados à extrema direita e viu na moda um caminho pra angariar um público eventualmente mais moderno e “bonito”.
Em 2009, Peter Thiel - co-fundador do PayPal e investidor do Facebook - afirmou que a expansão do direito ao voto para as mulheres havia enfraquecido a democracia. Seu investimento na Evie e no app de bem-estar “28” se encaixa em uma estratégia maior de consolidar um discurso que incentive mulheres a rejeitarem o feminismo e priorizarem a família.
Na esteira da popularidade da revista, e de muitas mulheres se revelando cada vez mais conservadoras, a Evie recentemente lançou um “milkmaid dress” pra chamar de seu. O “Raw Milkmaid” poderia ser até mais um vestido estilo camponesa, mas o problema é maior, como aponta o NYT: Um dos anúncios do vestido faz referência - de forma até irônica - ao supremacismo branco.
A modelo está com o rosto sujo de leite, que se tornou um símbolo na extrema direita atual. Embora para a maioria das pessoas beber leite não tenha conotação política, em certos círculos supremacistas ele funciona como um marcador de identidade e um meio de sinalização ideológica. Um apito de cachorro.
A matéria do NYT não traça um simples perfil da sua fundadora (uma empreendedora bem sucedida e que em nada se assemelha às mulheres que ela visa alcançar), mas joga luz de como plataformas como a Evie estão conquistando eleitoras que antes votavam nos Democratas. Ao misturar valores conservadores com um discurso de bem-estar e estilo de vida, a direita tem conseguido capturar mulheres que a esquerda nunca imaginou perder.
E como, a precarização do trabalho nos EUA e a falta de suporte para mães trabalhadoras, criaram um ambiente favorável para que o discurso conservador prospere. Sem políticas públicas como creches acessíveis e licença parental remunerada, muitas mulheres se sentem sobrecarregadas, abrindo espaço para mensagens que prometem alívio ao sugerir um retorno à família tradicional.
Revistas como a Evie e produtos como o 28 não são apenas nichos de mercado, mas parte de uma estratégia maior da ultradireita para reforçar o controle sobre as mulheres. Defendem que o feminismo é um movimento que leva as mulheres à infelicidade e as afasta daquilo que realmente importa.
Confesso que fiquei com saudade do minuto antes de descobrir toda essa bomba. E com mais saudades ainda quando o maior problema da moda era incitar o #TeamJolie ou #TeamAngelina, a aesthetic do momento tem ideologia supremacista branca e, pior, endossado e viralizado por mulheres.
Do Campo pro escritório
E quem diria que a oposição viria em forma de roupas que remetem o ideal do look masculino de escritório? Obrigada à Yves Saint Laurent e seu desfile do ano passado que foi quase todo repleto de blazers, camisas listradas e gravatas, tudo bem oversized, bem eighties, bem o oposto proposto acima.
Enquanto uns obviamente podem ver a clara referência do uniforme masculino, eu prefiro relembrar com saudosismo o icônico filme “Working Girl” aka "Uma Secretária do Futuro" e Melanie Griffith e Sigourney Weaver a bordo de blazers estruturados e ideias poderosas.
Referências à parte, é natural a moda criar essa espécie de batalha de estilos, a contracultura produz modismos até mesmo mais interessantes do que o mainstream e que comunicam não só moda, mas política e retratam a sociedade vigente.
Agora nessa era atual, é sintomático que essa ideia officecore se oponha à outra estética tão marcante e problemática. É curioso pensar que as mulheres ainda precisam se vestir ~como homens para mostrarem seu valor, ainda assim, menos pior que se vestir feito uma camponesa sexualizada.
Vestir feito eles ou para eles? Numa geração na qual a maioria esmagadora dos estilistas são homens, se vestir à nossa maneira tem sido um desafio sem precedentes.
Beijos!
Thereza
essa semana li um texto aqui nessa rede da Lorena portela onde ela comenta como amigas que eram super feministas tem mudado seu discurso aos poucos, reflexo desse tipo de informação que mesmo sem querer vai entrando na nossa mente.
a parte do:
“Defendem que o feminismo é um movimento que leva as mulheres à infelicidade e as afasta daquilo que realmente importa.” me pegou bastante também. porque a verdade é que o feminismo as vezes gera infelicidade sim porque algumas mulheres estão em relacionamentos onde tem companheiros ruins que a sobrecarregam, quando você muda o discurso e não o verdadeiro problema isso pode gerar uma falsa sensação de felicidade talvez… tempos estranhos estão vindo
Sonho com o dia que não atenderemos nem um discurso nem outro, mas que seremos livres para sermos nós mesmas. Até quando vamos ser apenas o produto da próxima jogada fashion/política?